Coliving: o futuro da habitação pode passar por aqui

Esta nova forma de habitar as cidades traz benefícios aos utilizadores, tanto em termos de redução de custos e promoção do sentido de comunidade, como de valores cívicos em queda na sociedade actual, podendo desta forma vir a transformar o modo como trabalhamos ou até mesmo como viajamos.

À semelhança do sucesso que o coworking tem vindo a adquirir, o coliving é o novo conceito na ordem do dia no mercado imobiliário internacional e tende, igualmente, a ser discutido no nosso país. Tal como o antecessor, o objectivo é desenhar novos conceitos de ocupação de espaço, criando novas oportunidades de negócio no mercado imobiliário, de modo a atrair investimento, reduzir os custos de construção e rentabilizar os espaços disponíveis.

Mas afinal o que é o coliving? Muitos de nós já vivemos este tipo de experiência quando partilhamos casas com outros estudantes durante a faculdade. Uma combinação entre uma renda acessível e uma intensa socialização com amigos e colegas. Resumindo: por um preço razoável é possível ter um quarto privado e compartilhar os espaços comuns.

Na verdade, não são apenas os estudantes universitários a viver neste registo. Hoje em dia, o conceito de coliving está a tornar-se cada vez mais uma solução atraente e eficaz. A justificação poderá estar nos elevados preços do imobiliário e no estilo de vida cada vez mais solitário, fazendo com que as pessoas procurem novas formas de viver, que valorizem outros aspectos, como o sentido de comunidade, a sustentabilidade e a economia colaborativa.

Hoje, já existe no panorama internacional vários edifícios de coliving com programas funcionais e escalas diversas. Se por um lado falamos em projectos que podem ser desenvolvidos à escala local, por outro começam a surgir conceitos e marcas que pretendem desenvolver projectos à escala global, como a Roam, que incentiva os utilizadores a trocarem a sua habitação por uma renda fixa. Isto permite-lhes viver em edifícios de coliving em vários pontos do mundo.

Em troca, têm direito a um quarto com instalações sanitárias privadas, uma cozinha e lavandaria partilhadas e, sobretudo, um espaço de cowork com rede Wi-Fi sólida, além de outras comodidades partilhadas, como piscina e espaços de relaxamento que variam consoante a propriedade. O público-alvo deste tipo de solução são os “nómadas digitais”, pessoas responsáveis pela criação do próprio posto de trabalho e que não dependem de uma localização física específica para trabalharem e realizarem negócios. Por agora, a Roam tem propriedades em Bali, Miami e Madrid; futuramente, em Londres e Buenos Aires. Enquanto os hotéis convencionais promovem a privacidade, o coliving marca a diferença através da criação de networking entre os diferentes utilizadores.

WeLive, outra marca internacional, constrói edifícios de coliving em altura em Seattle, com capacidade para 384 residentes — contrariamente às preferências reveladas por alguns estudos já realizados, por exemplo pelo Ikea, que indicam que os utentes preferem unidades de coliving em edifícios de menor dimensão. O gabinete de investigação do Ikea realizou um estudo online a nível global, denominado One Shared House 2030, onde inquiriu cerca de 7000 pessoas de cerca de 150 nacionalidades e revelou que os indivíduos dispostos a partilhar a sua casa preferem viver em comunidades mais pequenas, não mais do que quatro a 10 pessoas, com uma grande diversidade de origens e faixas etárias.

Também a Mini iniciou em 2017 um projecto de coliving, numa unidade industrial na China, onde recuperou seis edifícios, mantendo a sua estrutura original e desenvolvendo uma variedade de espaços adaptáveis e distintos.

Esta nova forma de habitar as cidades traz benefícios aos utilizadores, tanto em termos de redução de custos e promoção do sentido de comunidade, como de valores cívicos em queda na sociedade actual, podendo desta forma vir a transformar o modo como trabalhamos ou até mesmo como viajamos.

Por outro lado, podemos olhar para o conceito de coliving à escala local: a grande diferença desta interpretação em relação à escala global será, sem dúvida, o público-alvo. Exemplo disso é o projecto vencedor do Frame Awards 2019, na categoria de Co-Living Complex of the Year. Os Frame Awards distinguem anualmente projectos inovadores de design de interiores que desafiam as soluções convencionais na área do retalho, de hotelaria, dos serviços, de espaços de trabalho e habitação. O  Oosterwold Co-living Complex , na Holanda, é um exemplo de como é possível obter uma peça de arquitectura convincente dentro de um orçamento reduzido que, em simultâneo, responde às expectativas de nove clientes.

O artista Frode Bolhuis queria construir a sua casa de sonho num campo de plantação de batatas com cerca de um hectare; o único problema era a sua capacidade financeira deveras limitada. Assim que os arquitectos Peter Van Assche e Mathijs Cremers tiveram conhecimento, tentaram encontrar uma solução para Frode Bolhuis e estabeleceram duas pré-condições para tornar possível o projecto: encontrar amigos com a mesma necessidade e vontade em participar no projecto, por uma questão de custos (era mais barato construir várias casas em simultâneo); apenas o exterior da casa seria imposto e desenhado exclusivamente pelos arquitectos, permitindo às várias famílias terem total liberdade para decidir sobre o interior de cada casa. O orçamento reduzido resultou numa implantação simples: uma planta rectangular directa com cerca de 100 metros de comprimento, onde foram desenhadas nove residências distintas, deixando o espaço envolvente para um jardim ou uma horta comunitária.

O ponto de partida e todo o desenvolvimento do projecto foram as chaves para a qualificação de um projecto de coliving, distinguindo-a, desta forma, de conceitos mais convencionais como habitações em banda. Num projecto convencional de moradias em banda, tudo é desenvolvido pelo promotor e posteriormente comercializado; aqui estamos perante um processo participativo de todos os proprietários desde a fase de projecto. Este tipo de solução poderá ajudar a minimizar as questões actuais sobre a problemática da habitação a custos controlados, bem como da oferta de habitação para a classe média reduzida nos centros urbanos devido à pressão imobiliária exercida pelo investimento de grandes promotores no desenvolvimento de habitações exclusivas para o mercado de luxo.

Em Lisboa, também já existem alguns projectos em desenvolvimento, tais como a Same Same Living, que integra apartamentos, quartos, espaços de convívio para eventos privados e um espaço de cowork num só edifício, e o CitiFlat Centro, projetacdo pelo atelier Saraiva+Associados no antigo edifício da Clínica de Todos os Santos. No entanto, será necessário enquadrar estas unidades de habitação na legislação actual e criar leis específicas que permitam regular o seu licenciamento junto das administrações locais. Em termos legislativos, talvez possamos vir a enquadrar uma unidade de coliving no espaço intersticial legislativo entre a habitação convencional e as unidades hotelarias.

No futuro, o sucesso do coliving poderá surgir de modelos urbanísticos diferentes e será, sem dúvida, uma oportunidade de desenvolvimento a explorar pelo mercado imobiliário. Em termos urbanísticos e de desenho da cidade, poderá vir a trazer repercussões no desenho urbano, na mobilidade e na reabilitação dos edifícios, criando espaços inovadores que promovam a comunicação e a interacção entre os seus utilizadores.

FONTE: PUBLICO