Cientista funda biotech para estudar a saúde dos brasileiros a partir do DNA

Criada em setembro de 2021, a gen-t recebeu um aporte pré-seed de R$ 10 milhões e fechou parceria com a rede dr. consulta

Dra. Lygia da Veiga Pereira, CEO e fundadora da gen-t (Foto: Divulgação)

Há quase 30 anos, a pesquisadora Dra. Lygia da Veiga Pereira trocou Ipanema pelos laboratórios da USP. Responsável pela produção da primeira linhagem de células-tronco embrionárias em território nacional, ela agora se lança como CEO da gen-t. A biotech tem como objetivo montar a maior infraestrutura privada de dados sobre a saúde do povo brasileiro, por meio do sequenciamento do DNA de 200 mil pessoas. A iniciativa acaba de receber um aporte pré-seed de R$ 10 milhões.

startup busca mapear o genoma dos brasileiros a partir dos pacientes atendidos por sistemas populares de saúde, delimitando o nicho entre aqueles que não têm condições de arcar com um plano de saúde, mas conseguem pagar consultas a preços mais acessíveis. Para a pesquisadora, é ali que se encontra a verdadeira diversidade dos brasileiros.

A meta é chegar a 200 mil pessoas no banco de dados em até cinco anos, fazendo o acompanhamento dos participantes para construir uma grande plataforma com dados de saúde, comportamento e seus genomas. O objetivo, então, é fazer contratos com as indústrias farmacêutica e de biotecnologia para acelerar inovações no desenvolvimento de novos fármacos, dobrando a possibilidade dos estudos se tornarem produtos comercializáveis. “Nosso diferencial é ter dados de uma população com diversidade, disponibilizando acesso a genomas que não estão acessíveis em outros lugares”, declara.

A gen-t é liderada por Pereira, que conta que entrou na universidade em 1984 e não saiu mais, seguindo a carreira acadêmica. Há 26 anos, trabalha com pesquisa sobre genética humana na USP. Há alguns anos, ela notou a publicação de cada vez mais estudos em revistas científicas denunciando que 80% das pesquisas e dos dados sobre genomas humanos eram baseados em ancestralidade europeia. A consequência disso era uma enorme desigualdade no desenvolvimento de medicina de precisão, uma vez que fatores genéticos de risco para as doenças variam em diferentes populações. “Se estava faltando diversidade, era a hora do Brasil. Somos a mistura dos povos indígenas com milhões de africanos que vieram escravizados e com os europeus. Nossos genomas são mosaicos de várias nações”, explica.

Inicialmente, ela seguiu os estudos na área acadêmica, até que percebeu que poderia ir além das iniciativas públicas, como observava na Europa e nos Estados Unidos. “Foi uma epifania. Sempre tive muita vontade de empreender, mas vivi a vida inteira como acadêmica. Ali eu enxerguei oportunidade de investir em um projeto bacana o suficiente para me fazer dividir o meu tempo”, recorda.

Ela montou uma apresentação no PowerPoint e preparou o pitch para conversar com algumas pessoas que já conhecia em empresas da área da saúde, mas não obteve sucesso. Foi só quando conheceu Eduardo Mufarej, criador do fundo de venture capital Good Karma, que a ideia saiu do papel. Ele chamou o investidor norte-americano Daniel Gold, com especialidade em biotechs, e contratou um consultor para, em dois meses, transformar o PowerPoint em modelo de negócio. Ao fim do prazo, a startup conquistou o primeiro aporte, um pré-seed de R$ 10 milhões. “Ficamos super felizes porque é um grupo de investidores com valores super alinhados com o nosso, de gerar lucro como consequência para o bem que traremos ao país”, afirma.

O valor foi alocado em investimentos no time e em tecnologia, construindo a infraestrutura do banco de dados e do laboratório para a análise do material biológico. Até o fim do ano, a biotech pretende fechar algum projeto-piloto com a indústria farmacêutica. “Queremos atingir uma série de metas com esse investimento. Se conseguirmos, teremos moral para abrir uma segunda rodada de investimentos”, pontua.

Na primeira fase, iniciada em junho, o recrutamento dos voluntários e a coleta dos exames estão acontecendo em parceria com a rede de clínicas dr. consulta, em São Paulo. A startup já está em conversas avançadas com outras duas redes de saúde populares para ampliar a atuação para outras regiões do país.

Para participar, o voluntário precisa ser brasileiro e ter mais de 45 anos. Os médicos do dr. consulta convidam os pacientes a participar e, caso a resposta seja positiva, o histórico clínico é compartilhado com a gen-t. Segundo a especialista, o recorte etário foi feito porque esta é a idade em que os problemas de saúde começam a dar os sinais. Em cerca de dois meses, 200 participantes já toparam participar do projeto. Eles passaram por exames básicos de peso, altura, pressão arterial e coleta de sangue para a classificação da saúde no momento zero. Novas coletas serão realizadas uma vez por ano. “Nosso modelo não é uma plataforma para vender dados. Queremos usar a nossa inteligência e os dados de diversidade da nossa população para desenvolver e acelerar as inovações da indústria, o que vai tornar o negócio viável”, finaliza.

FONTE: https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2022/09/cientista-brasileira-funda-biotech-para-estudar-saude-dos-brasileiros-partir-do-dna.html