Cibersegurança precisa de estar menos focada nos “maus”

Pat Gelsinger, CEO da VMware, defende antes, maior ênfase na protecção do tráfego “bom”, num momento em que a empresa afina a sua aposta nas SD-WAN.

Pat Gelsinger, CEO da VMware

A VMware tem reforçado o seu investimento em tecnologia para virtualização de redes, no âmbito da sua estratégia para abordar a procura de cloud computing. Nesse contexto, Pat Gelsinger esteve por exemplo na última Web Summit a defender uma renovação da abordagem sobre cibersegurança.

Um foco nos fundamentos básicos de segurança de software e informação, conjugada com a ciber-higiene serão os dois pilares dessa alteração, explicou em entrevista para o Computerworld. O executivo que já foi CTO da Intel revela ainda o que envolveu mudar uma carreira centrada no desenvolvimento de hardware, para a liderança de uma empresa produtora de software (embora associado aos equipamentos físicos).

Computerworld ‒ A estratégia da VMware na área de cloud computing vai centrar-se prioritariamente na parceria com a AWS?

Pat Gelsinger ‒ Não, anunciámos iniciativa semelhante com a IBM. Os dois são os parceiros pilares da nossa estratégia.

CW ‒ Mas a IBM está a perder terreno no mercado de  cloud computing.

PG ‒ Em cloud para a sua base instalada [tradicional], a IBM é “enorme”, tanto nos contratos de outsourcing como no segmento dos mainframes. Fora desse espaço é que não.

Mas temos ainda iniciativas bem sucedidas com a OBH, a Rackspace e a Fujitsu. Além disso, temos novas ofertas noutras clouds, como os desktops virtuais suportados em Azure e redes virtuais com a Google.

CW ‒ Ao falar de cibersegurança numa intervenção, referiu a necessidade de o sector das TIC garantir as medidas mais básicas. Mas há anos que os fabricantes dizem isso e já o deviam ter feito, não concorda?

PG ‒ Sim. Nós dizemos que o sector tem estado demasiado focado na perseguição aos “maus”. Está sempre à procura daqueles pequenos pacotes ou vírus que estão escondidos algures.

E por isso torna-se necessário aplicar milhões de regras contra milhares de milhões de pacotes. Em vez disso pensamos que o sector precisa de deixar de perseguir os maus e passar a esforçar-se por garantir a segurança do que é bom.

E para isso pode construir várias arquitecturas específicas, com segurança intrínseca. Ou seja os sistemas viriam com as medidas de segurança já activadas e que só depois se desligavam conforme o ambiente em que são instalados. Seria mais fácil garantir o tráfego bom, podendo-se detectar os desvios e responder a essas situações.

Isso, acreditamos, deverá mudar o paradigma da cibersegurança. Além disso, apesar de muita gente falar de ciber-higiene, ainda ninguém articulou claramente ideias sobre o que isso é.

Quais são os seus princípios básicos? [Nesse sentido] estamos a trabalhar com o Congresso dos EUA na preparação de novas leis para a cibersegurança.

Exigem um comportamento consistente, com correcções recorrentes no software, autenticação por múltiplos factores, cifra aplicada aos dados, entre outras. Nenhuma das tecnologias é nova, contudo ainda não houve uma aplicação conjugada e de forma consistente.

Acreditamos que a combinação das duas coisas pode sustentar a capacidade de o sector oferecer novas protecções.

CW ‒ E porque não falou de inteligência artificial (IA) aplicada à cibersegurança?

PG ‒ Eu também acredito que a IA pode ser útil na cibersegurança. Com efeito nesta reformulação em que viramos o modelo ao contrário, prevejo a aplicação da IA protecção das aplicações e para os sistemas aprenderem e perceberem qual é o tráfego bom.

Portanto podemos monitorizar o comportamento do sistema e treiná-lo para reconhecer o que é o bom.

CW ‒ Então isso faz parte do básico a que se refere?

PG ‒ Sim e passa por coisas como autenticação baseada em múltiplos factores, para prevenir vulnerabilidades por roubos de dados, por exemplo. Têm de ser sempre cifrados.

CW ‒ Qual é a vossa estratégia para o segmento da “serverless computing”?

PG ‒ Nós queremos fazer das nossas tecnologias bons ambientes para executar  “serverless computing”. E no futuro anunciaremos várias tecnologias para que os sistemas corram bem nas nossas plataformas.

Para nós será mais uma aplicação executada sobre a nossa plataforma.

CW ‒ É mais do mesmo para a VMware?

PG ‒ Sim, mas acreditamos que podemos fazer muito para melhorar a “serverless computing”. Mas muitas funções já podem ser executadas sobre tecnologia da VMware.

CW ‒ Porque é que a VMware não foi pioneira no desenvolvimento da tecnologia de “containers”?

PG ‒ Gostávamos muito de a ter desenvolvido, mas simplesmente não o fizemos. Apesar disso decidimos adoptá-la.

Estou há cinco anos na VMware e a ideia da Docker e dos “containers”, tem mais ou menos essa idade. Mas o sector das TIC é assim mesmo, tem sempre muita gente a inovar, por todo o lado.

E de repente há uma tecnologia à volta da qual o trabalho de muita gente começa a gravitar. Não podemos ter as boas ideias todas.

Nós já liderámos a virtualização de redes. A ideia foi nossa e está a mudar o panorama geral.

Não criámos os “containers” mas vamos fazê-los “cidadãos de primeira classe” na tecnologia da VMware. Para tal, já anunciámos uma parceria com a Google e com a Pivotal (mesmo grupo da VMware), a qual está a fazer disponibilizar muitas aplicações como um serviço e oferece o Pivotal Container Service.

CW ‒ Haverá o objectivo de desenvolver mais segurança em torno dos “containers”?

PG ‒ Exactamente. Algumas das coisas que estava a descrever serão aplicadas a “containers” assim como a aplicações.

CW ‒ A VMware está a tornar-se uma empresa mais voltada para as redes. Qual é a sua visão para as SD-WAN?

PG ‒ Iniciámos essa evolução ainda antes de comprarmos a Nicira, há cinco anos, a qual tinha a ideia principal que galvanizou o segmento inteiro.

No final do ano passado era um negócio de mil milhões de dólares. E quando a compramos, o sector das TIC pensou que estávamos malucos, para gastarmos 1,2 mil milhões de dólares na aquisição da empresa.

CW ‒ Mas já se falava muito de infra-estruturas definidas por software.

PG ‒ Sim, contudo agora a virtualização de redes tem maior protagonismo e toda a gente está a ver o seu poder na automatização da gestão, benefícios para a cibersegurança, operações com múltiplos centros de dados. Com a SD-WAN avança-se para o ambiente das extensões de rede em agências e dependências.

A VeloCloud, a empresa que comprámos em Outubro, dedica-se a essa área. Vamos combinar a sua tecnologia com outras como a NSX. Dá-nos uma oportunidade fabulosa para desencadear uma disrupção nesse segmento.

CW ‒ Muitos técnicos utilizadores da NSX dizem que a tecnologia acaba por ser muito cara e pesada em termos de uso de CPU, se estiverem a usar todas as funcionalidades? Como é que este problema tende a ser resolvido ?

PG ‒ Gosto quando os clientes me dizem isso. Primeiro quer dizer que pretendem ter o produto. Se é um pouco caro demais, temos de oferecer a solução em conformidade com segmentos de preços mais baixos.

E se os clientes querem funcionalidades de um segmento mais alto, tentamos arranjar forma de proporcionar isso. Mas a situação tem a ver com a evolução normal da tecnologia e quando os clientes apontam esse problema tendo a desafiar as minhas equipas.

Porque é sinal de que o cliente não está a ver valor suficiente no produto. Ou que é preciso ser capaz de integrar as capacidades num nível de preço mais baixo.

O nosso objectivo é levar a virtualização de redes a todo o lado.

CW ‒ Mas suplantar o referido desafio é uma questão de engenharia de software?

PG ‒ Há certamente alguns aspectos que vão exigir mais engenharia, conforme evoluímos. Em geral, as empresas reclamam do peso que a virtualização de redes tem em termos de CPU, na maioria dos casos de utilização.

CW ‒ É um gestor que vem da área do hardware. Foi CTO da Intel. O que recomenda aos executivos numa altura em que o software está a ganhar muito protagonismo? Como se faz a transição?

PG ‒ Andei à volta do silício durante 30 anos. Foi um percurso incrível.

Há ainda muita inovação a ocorrer em torno de hardware, mas com efeito a maior parte da dinâmica está na área do software. E eu acompanhei essa mudança, subi na arquitectura como se diz.

É a área onde se deve estar, actualmente.

CW ‒ Mas que mudanças de mentalidade ou de atitude teve de fazer?

PG ‒ Algumas coisas não mudaram. Processos de engenharia, de disciplina, a forma de gerir equipas de engenheiros, de motivá-los e orientá-los.

Mas no software, em comparação com o hardware é … Como se antes tivéssemos blocos muito bem definidos com os quais construir um edifício e actualmente termos barro, que posso moldar como entender. O software é um “material” muito maleável.

Depois os engenheiros de software são menos disciplinados por natureza porque não têm aquela disciplina dos blocos, dos componentes. Têm de induzir disciplina nos seus processos e estruturas.

Os ciclos de desenvolvimento também envolvem mudança. O último chip que desenvolvi para a Intel, começou a ser fornecido no ano passado: os processadores com arquitectura Haswell e Broadwell.

Os ciclos são muito longos, eu já deixei a Intel há sete anos. No software temos “sprints” e produtos minimamente viáveis.

Podemos literalmente estar a conceber um software da raiz até ser instalado no cliente em seis meses.

CW ‒ Envolve maior pressão psicológica?

PG ‒ De certa forma sim, porque há um certo ritmo. Mas é uma coisa diferente. Se eu contratar alguém para o meu engenheiro principal e só o recompenso a cada sete anos com o lançamento de um novo produto…

O período é demasiado longo e preciso que ele desenvolva o projecto durante sete anos. É diferente de se dizer: “vais ter a tua satisfação já daqui a três meses quando puser no mercado o produto minimamente viável.

Obtém-se o retorno muito rapidamente. A velocidade é extraordinária no sector do software.

CW ‒ Usam sempre uma metodologia Agile para todos os projectos?

PG ‒ Para a maior parte sim. Há alguns mais próximos do hardware que são mais longos.

CW ‒ Que tipo de startups são particularmente interessantes para a VMware nesta área em que estão cada vez mais envolvidos?

PG ‒ As de cibersegurança, mobilidade, cloud, IA, gestão de TI…

CW ‒ O que denominaria como uma verdadeira grande inovação?

PG ‒ A de SD-WAN. Foi uma grande ideia. Há agora cinco ou seis empresas nesse espaço. Nós não inovamos organicamente nessa área.

E após cinco anos a desenvolvermos a nossa oferta para SD-WAN tenho de saber como fazer os programadores acreditarem que vão executar a sua paixão e visão na VMware, e que vamos ampliar as suas capacidades como nunca, para os reter na organização.

Numa startup de TI está tudo nas pessoas. Podem dizer que grande parte está no código, mas não, está nas pessoas, conforme estas fazem o software evoluir.

Há também coisas que estão a acontecer na área de IoT que são muito inovadoras.

CW ‒ Como por exemplo?

PG ‒ Anunciámos recentemente uma parceria com a Toyota para introduzir IoT na próxima geração de automóveis da marca. Agora imagine que o seu carro, com sistema de condução automatizada, liga-lhe a meio da manhã a dizer que os travões estão a ficar desafinados e portanto pede-lhe autorização para ir a uma oficina onde estão a fazer uma promoção em manutenções.

CW ‒ Bom, a ideia não é completamente nova…

PG ‒ Não é inovador? Já pensou nos problemas que é preciso resolver para conseguir isso.

CW ‒ Admito que existem vários, mas há outros projectos semelhantes…

PG ‒ OK, vejamos outra: quando acorda um dia, o seu dispositivo inteligente anuncia que enquanto dormia você teve uma irregularidade no coração. Por isso o aparelho decidiu carregar para um repositório de informação do seu médico os registos biométricos desse evento fisiológico.

Diz-lhe que esses dado estão a ser comparados com os de pessoas com DNA semelhante e que entretanto marcou uma consulta e acordou-o mais cedo para poder comparecer. Notifica-o também que carregou as informações de endereço e de percurso a seguir para o sistema de auto-condução do carro.

CW ‒ Disse que Andy Grove, líder carismático da Intel, teve um importante impacto na sua carreira, como mentor. Mas e o que aprendeu com Joe Tucci, o CEO e presidente da EMC, que o contratou para liderar a VMware?

PG ‒ O Andy foi tendo muito impacto na minha carreira ao longo do tempo. O Joe ajudou-me de três formas diferentes.

Eu nunca tinha sido exposto ao quotidiano das vendas a clientes. Durante toda a minha carreira tinha gerido engenheiros, mas nunca comerciais. Nem sabia qual era cultura inerente. Joe ensinou-me muito sobre isso.

Outras coisas tiveram a ver com o conselho de administração. Quando perguntei a Jack Egan o filho de um dos fundadores da empresa (Richard Egan), como me estava a sair na VMware, ele assinalou dois pontos.

Um que tinha de me vestir como executivos de uma empresa da costa Leste (dos EUA), porque eu gostava de me vestir como engenheiro. E outra recomendação é que se eu queria mesmo liderar a empresa tinha de saber mais sobre finanças empresariais.

Joe Tucci arranjou -me logo um tutor pessoal, da Universidade de Columbia, durante um ano, para me aperfeiçoar nessa área.

 

 FONTE: COMPUTERWORLD