A CHINA BRILHA COM AS STARTUPS

Publicado em 16/11/2017 por Valor Online

 

Enganam-se aqueles que pensam que a China ainda é o país da manufatura de baixa tecnologia. Dados recém lançados pela CBinsight, referência na área, trazem um novo quadro que impressiona. A China tem sido o grande motor responsável pelo crescimento do número de startups nos últimos anos. Hoje, 57 das 215 maiores startups do mundo são chinesas. Denominadas de unicórnios, essas startups são caracterizadas por possuírem valor de mercado esperado de mais de US$ 1 bilhão, altíssimo conteúdo tecnológico e serem empresas privadas, ainda não listadas em bolsa de valores. Os unicórnios chineses juntos possuem hoje valor esperado superior a US$ 240 bilhões e são quatro dos dez maiores do mundo. Neste momento, emerge a questão de como a China conseguiu criar em um espaço de tempo tão curto, dezenas de startups que já possuem alguma presença global e têm valor de mercado esperado na casa dos bilhões de dólares. Comecemos pelo quadro geral. Hoje a China se encontra somente atrás dos EUA, que possuem 108 unicórnios. O que impressiona mesmo é a distância da China dos terceiros colocados. Índia e Reino Unido possuem apenas 10 unicórnios cada, enquanto outros países possuem no máximo quatro ou cinco. As startups chinesas se concentram em áreas de elevado conteúdo digital, com 15 delas na área de comércio digital, oito na área da economia colaborativa, cinco na área de fintech, e quatro na área de robótica. Como exemplos, no topo da lista está a Didi Chuxing, empresa de aplicativo de taxi e com serviços de transporte de passageiros. Ela atua em mais de 400 cidades na China e faz mais corridas por mês que o Uber no mundo. Aliás, a própria Didi comprou o Uber na China e possui hoje US$ 50 bilhões de valor de mercado esperado. A empresa não é desconhecida do público brasileiro. Ao aportar US$ 100 milhões na 99 Taxis, a Didi contribui para um importante aspecto ainda escasso na relação Brasil-China, as parcerias de alto conteúdo tecnológico. O segundo maior unicórnio chinês também tem presença no Brasil. A Xiaomi, com US$ 40 bilhões de valor, está focada em celulares de baixo preço e boa qualidade, e continua batendo recordes de produção e vendas no mundo. É ao avaliar os motivos do rápido crescimento do número de startups que se percebe que a China só foi capaz de se posicionar na liderança deste movimento por razão de um conjunto singular de fatores que são difíceis de replicar em outros países. O primeiro reside no fato da internet chinesa ser praticamente fechada para o resto do mundo. Isso ocorre porque a China impõe uma série de regras de controle e manejo de dados e conteúdo que torna, na prática, proibitivo o ingresso de grandes competidores globais. Como resultado, cria-se no mercado um vácuo, gerando oportunidades para uma série de modelos de negócio que já foram testados no exterior, porém ainda não existem no mercado chinês. Entre os 57 unicórnios chineses, não é difícil identificar paralelos no mercado mundial. Os próprios exemplos aqui apresentados já foram referidos como o Uber da China e a Apple da China. A lista continua com o Toutiao e o Buzzfeed, e há ainda algumas startups com mais de uma referência internacional, como o Wechat que funciona como Whatsapp, Venmo e Twitter. E não são só os chineses que estão atrás de maiores retornos. Investidores globais buscam diversificar a sua carteira e apostar em unicórnios chineses que podem, mais à frente, desafiar os quase-monopólios existentes no mundo ocidental Em segundo lugar se deve considerar os fatores de produção existentes na China, especialmente a mão de obra qualificada, crucial para o mercado de startups. Se por um lado a China é fechada para competidores globais, por outro ela é hiperconectada aos principais centros de geração deste tipo de tecnologia no mundo. Essa conexão se dá pelos mais de 300 mil estudantes chineses que na última década têm ido para os EUA e outros mais que foram para a Europa. Mais de 80% desses estudantes voltam para a China e trazem em sua bagagem não só o conhecimento técnico, como também a exposição à cultura de empreendedorismo e experiências de trabalho em competidores globais. Ao voltar para a China, eles se deparam com um mercado de 4,7 milhões de graduados em áreas relativas a matemática, engenharia e tecnologia. Sem contar que o engenheiro chinês custa muito menos para uma startup que um do Vale do Silício. Enquanto o salário médio de um engenheiro nos EUA é de US$ 110 mil por ano, na China ele recebe 150 mil yuans ou, cerca de, US$ 23 mil por ano. Também não se pode esquecer dos fatores macroeconômicos por detrás deste boom. Nos últimos cincos anos, a China vem buscando mudar seu modelo de desenvolvimento. Antes baseado em investimentos em infraestrutura e produção de manufaturas para a exportação, o governo já percebeu que para manter suas elevadas taxas de crescimento deveria começar a diversificar e alocar recursos de forma mais produtiva. Como resultado, foi possível observar nos últimos anos o desenvolvimento do mercado de capitais, onde os bancos e fundos chineses promoveram o crescimento da bolsa de Xangai e a criação de uma série de iniciativas de venture capital. Neste momento, o mercado de startup oferece uma oportunidade muito mais produtiva para se alocar recursos que a construção de cidades fantasmas ou a manutenção de subsídios para indústrias que já perderam sua competitividade a nível global. E não são só os chineses que estão atrás de maiores retornos. Investidores globais buscam diversificar a sua carteira e apostar em unicórnios chineses que podem, mais à frente, desafiar os quase-monopólios existentes no mundo ocidental. A Apple, por exemplo, participou da capitalização da Didi visando a competição com o Uber e é possível encontrar gigantes da área de private equity, como Blackstone e Warburg Pincus entre investidores dos unicórnios chineses. Em conclusão, não se pode pensar que será trivial para qualquer país replicar o que tem ocorrido na China. Ainda há de se provar se o modelo funciona e se as startups chinesas serão capazes de navegar em mercados tão distintos e, muitas vezes, ainda para serem regulados mundo afora. Uma coisa é certa, o catch up chinês foi bem rápido e não espere mais um dragão batendo a sua porta. A China agora é a terra também dos unicórnios. Andre Soares é non-resident fellow do Adrianne Arsht Latin America Center do Atlantic Council e ex-Coordenador do Conselho Empresarial Brasil-China.
FONTE:  http://www.gsnoticias.com.br/noticia-detalhe/todas/china-brilha-as-startups