“Child stars”: a teoria de Kevin Efrusy sobre startups nascidas na bonança

O sócio da Accel, casa que se tornou referência em venture capital, diz que a correção de preços em curso deixará o mercado mais saudável

“Child stars”. É assim que Kevin Efrusy, um experiente investidor americano de tecnologia e inovação, sócio da gestora Accel, define o dilema a ser enfrentado por startups nascidas em tempos de alta liquidez.

“Startups que se acostumaram ao capital abundante são como crianças famosas. A estrela mirim é criada sob holofotes, é um personagem que tem atenção e, quando começa a crescer, tem crise de identidade, acaba usando drogas e morre cedo”, descreve Efrusy. “Vai ser assustador para muitas startups ter que descobrir quem são. Enquanto havia capital, essas companhias deixaram de se preocupar com seus diferenciais, com suas estratégias, para disputar a corrida de quem queima caixa mais rápido.”

O investidor, que já criou sua própria companhia de software, é sócio da Accel desde 2003, gestora que já investiu em mais de 1,8 mil startups – no ano passado, levantou US$ 3 bilhões para três novos veículos, o 15º fundo de early-stage nos EUA, o sétimo early-stage na Europa e o sexto fundo global de growth. Efrusy liderou o investimento da casa no Facebook ainda em 2005, além de companhias como Groupon, SpringSource e BBN Technologies, e foi quem deu inicio à iniciativa da firma de investir na América Latina, 10 anos atrás.

A Accel investiu na Elo7, um marketplace de artesanato e produtos personalizados que foi comprado pela Etsy no ano passado, na Zup, depois adquirida pelo Itaú, na Despegar, Gympass e QuintoAndar.

Para o investidor, é comum que empreendedores percam a mão do negócio diante do excesso de funding, e acabem fazendo as mesmas coisas que seus concorrentes ou tentando replicar modelos que deram certo no exterior. “Vai ser doloroso, algumas empresas vão ficar pelo caminho, empreendedores e investidores vão sair machucados. Mas tem muita companhia que não deveria ter captado e tem empreendedor que não devia ser empreendedor e sim investment banker, motivado financeiramente”, diz.

“No QuintoAndar, uma das nossas maiores pressões o tempo todo sobre o board é que a companhia tem que saber exatamente qual é o seu negócio, onde ganha dinheiro, onde perde dinheiro, quanto custa. O QuintoAndar sabe isso tudo”, afirma.

O app de compra e aluguel de imóveis chamou atenção recentemente com um corte de cerca de 160 funcionários e um reforço no time executivo. No mercado, circulava a informação de que as medidas eram uma pressão de fundos investidores para garantir que o QuintoAndar atravesse a crise de liquidez e as mudanças macroeconômicas no país.

Efrusy vê uma onda de consolidação de startups como consequência da restrição de liquidez e dos ajustes que companhias terão que fazer, buscando M&A para manter o negócio de pé. Ele cita o mercado de fintechs e de apps de delivery de comida, para onde jorrou capital mesmo que haja quatro ou cinco empresas fazendo exatamente a mesma coisa.

Em evidências de que a liquidez excessiva havia ido longe demais, a Accel começou a ver pela primeira vez com rumores maliciosos plantados por concorrentes e vazamento de documentos sigilosos. “Um concorrente disse que íamos demitir o CEO da empresa, o que não era verdade, para tentar valorizar seu negócio. Investidores e empresas roubaram apresentações de rodadas e pitchs, passando para frente dados sigilosos. Era uma loucura.”

Mas engana-se quem pensa que essas são análises e reflexões de um investidor pessimista, recolhido no escritório esperando a tempestade passar. “Estou feliz porque downturns são muito importantes para a tecnologia saudável, para corrigir o que o dinheiro fácil fez e os valuations desconectados da realidade”, diz o investidor, que não vê a desaceleração acabando amanhã ou no mês que vem. “Com menos liquidez, temos mais tempo para tomar decisões, investidores turistas de América Latina saem da água fria, e fica mais fácil identificar os vencedores.”

A maioria dos investimentos da Accel na América Latina foi feita em fases de debandada ou maior receio de estrangeiros – na epidemia do zica vírus, na recessão econômica, nas investigações de fraudes e corrupção nas Olimpíadas e Lava-Jato, conta Efrusy, incluindo o app de imóveis e o aporte na Gympass.

A Accel começou a olhar para a região entre 2010 e 2011, interessada no tamanho do mercado e na escassez de capital por aqui. “Havia potencial, mas não havia um ecossistema de empreendedores. Eram poucos e com pouca experiência, empreendedores de primeira geração formados no Brasil e com venture capital incipiente”, lembra Efrusy.

Ainda assim, a firma resolveu investir no primeiro fundo da Kaszek e no primeiro fundo da Monashees. “Os talentosos executivos que tinham se formado no Brasil e tinham experiência nos Estados Unidos, em Londres, não queriam voltar para o Brasil. Apresentávamos as companhias que estávamos investindo, tentando atraí-los, e eles respondiam sobre como os pais tinham trabalhado duro para que estudassem e fizessem carreira fora.”

A chegada de mais investidores institucionais e de empreendedores que já tinham criado algo foi mudando a cara do mercado regional. “É recompensador ver que de alguma forma participamos da construção desse ecossistema, hoje na segunda ou terceira geração de empreendedores experientes”, diz Efrusy. “A maior mudança foi ter executivos muito talentosos começando a aderir a esse ecossistema. É a maior evidência de que algo está funcionando, quando os talentos começam a voltar para o país.”

Há três semanas, Efrusy estava no Brasil encontrando novos empreendedores e potenciais negócios. Ele diz que busca companhias que tenham soluções locais e cita o Nubank como exemplo de sucesso, ao ser o neobanco mais notável do mundo. Desde que fez IPO, em dezembro do ano passado, o valor de mercado do Nubank encolheu 46%. Para Efrusy, isso não muda o feito da companhia.

“Não é só o Nubank que está caindo. A MongoDB chegou a cair mais de 20% num único dia. É o valuation de tecnologia que está mudando e é simples explicar com a alta de juros, que altera toda a conta de fluxo de caixa descontado”, diz. “No início da alta de juros e correção na bolsa as pessoas dizem ‘ah, mas os investidores privados não se importam’. Importam sim. Ele pode continuar interessado na sua companhia, mas acha que ela vale US$ 400 milhões e não mais US$ 1 bilhão.”

Efrusy participa amanhã da conferência Brazil at Silicon Valley, na Califórnia, em painel com Eduardo Mufarej, fundador da GK Ventures.

FONTE: https://pipelinevalor.globo.com/mercado/noticia/child-stars-a-teoria-de-kevin-efrusy-sobre-startups-nascidas-na-bonanca.ghtml