Carros conectados serão parte da rede de cidades inteligentes, diz Qualcomm

Don Mcguire, Senior Vice President & Chief Marketing Officer

Se existe um tema que tem mostrado progressos consistentes no mundo da tecnologia de consumo nos últimos 10 anos é o universo de carros conectados. Quem acompanha a CES, principal evento de tecnologia de consumo dos EUA, vê a cada ano mais empresas dedicadas a tornar os veículos de transporte individuais e coletivos parte de um ecossistema maior, que inclui a eletrificação dos carros, a conectividade embarcada, a integração com serviços digitais e, mais recentemente, a integração com as próprias cidades e estradas.

Durante a CES 2023, que aconteceu no começo do mês em Las Vegas, foram vários anúncios e lançamentos das principais marcas de carro sobre o tema. BMW com Qualcomm, Sony com Honda e muitas outras parcerias na mesma linha. E, mais importante, um pavilhão todo dedicado a veículos inteligentes maior do que nunca.

A Qualcomm tem sido uma das impulsionadoras dessa tendência, por razões óbvias: quanto mais carros conectados, maior demanda por microprocessadores e conectividade, os dois principais negócios da empresa.

Durante a CEO 2023, este noticiário fez uma entrevista exclusiva com Don Mcguire, Senior Vice President & Chief Marketing Officer da Qualcomm, que comentou os avanços no universo dos veículos conectados e as perspectivas de desenvolvimento de um ecossistema que vai muito além da indústria automotiva.

TELETIME – O que vimos como uma tendência importante nessa CES 2023 foi a dimensão dos serviços de conectividade que está sendo embarcada nos veículos e como isso é importante para a indústria automobilística. Minha pergunta é: o mercado de telecomunicações, especialmente as operadoras e o ecossistema em volta, estão preparados para o carro do futuro e para a mobilidade conectada?

Don Mcguire – É um movimento muito interessante e que tem dois elementos. De um lado, carros estão se tornando smartphones sobre rodas e agora temos essa ideia de veículos definidos por software, versus carros definidos pela mecânica. A transformação digital do carro em si, desconsiderando a conectividade, mas apenas tomando a experiência dentro dos carros, está se tornando uma tela digital. Soma-se a isso temos o carro conectado à rede, quase 100% do tempo, o que adiciona mais uma camada à experiência de dirigir. Seja uma conectividade ligada a aspectos de segurança, assistência ao motorista, das opções de comunicação e entretenimento à bordo ou automação do veículo/ seja para ter o carro funcionando como um nó de uma rede, de um ambiente em que outros carros e objetos estão conectados, como a sinalização de rua, os pedestres, os ciclistas, o transporte público… Todas as coisas conectadas dentro do conceito do CV2X. O que a gente demonstrou aqui é que o carro pode ser um nó efetivo de conectividade, parte da borda da rede. A habilidade de o carro estar conectado à medida em que se move é que compreende a ideia de uma nova experiência no carro mas também muda o conceito de cidade inteligente, com ruas mais seguras, mais funcionais.

Mas o ponto é: isso passa por conectividade. Mas o mundo da conectividade está pronto para essa realidade?

Muitas vezes a gente perde essa dimensão da conectividade necessária, mas ela é necessária. Por isso existe uma grande oportunidade dentro dessa ideia de tornar o carro em um nó de uma rede. Pense em uma casa, que hoje tem o smart speaker, ou o roteador, ou a TV como um ponto de uma rede mesh. O carro será a mesma coisa quando pensamos em uma infraestrutura de uma cidade inteligente, e é ali que está a cobertura da rede 5G. A rede 5G é fundamental para a latência e confiabilidade dessas conexões, por isso as operadoras de 5G precisam pensar nesse cenário e planejar a rede justamente para suprir as demandas que carros, ruas e estradas terão de conectividade.

Mas não é só a conectividade, existe um ecossistema bem mais complexo por trás do conceito de carros autônomos, correto? Esse ecossistema está maduro?

Sim, você precisa de toda a infraestrutura de conectividade, mas também de toda a uma cadeia de equipamentos, de fornecedores, de software, de aplicações. Isso é o mais interessante, porque a conectividade de veículos transforma uma cadeia muito ampla. O que a gente vê em mercados como a China, que está se desenvolvendo muito rapidamente, é um ecossistema que envolve muitas outras coisas, como câmeras, veículos, sinalização, conectividade… É parte de uma evolução da indústria automotiva e de um ecossistema de parcerias muito mais amplo.

Mas é um ambiente em que todos precisam estar juntos e coordenados. Isso está acontecendo? Quem está coordenando esse processo?

Depende de cada caso. Existem espaços públicos, campus, em que isso é coordenado pelo responsável direto. Ou em grandes espaços corporativos. Nesses casos é fácil. Em casos de cidades, quem tem que fazer isso são as prefeituras, as autoridades, que precisam colocar todas as peças do quebra-cabeça e dizer como querem organizar. Do ponto de vista de cada dispositivo, eles precisam estar interconectados para fazer parte de uma coisa maior. Existem três ou quatro níveis de coordenação necessários.

Já existem avanços concretos nessa coordenação?

Existem ainda dificuldades regulatórias a serem vencidas. Existem padrões, com certeza, nos EUA, China e na Europa, não há mais dúvidas sobre os caminhos técnicos a serem seguidos. Isso é a base. Mas ainda existem alguns países em que isso não está decidido, em que as regras não são as mesmas, e precisamos fazer isso para o ecossistema existir globalmente. Temos questões de espectro, questões de mercado. Estamos atuando na frente regulatória, no desenvolvimento do ecossistema e fazendo com que a tecnologia esteja disponível.

Em termos de tempo, quanto tempo ainda estamos distantes dessa ideia de um “tecido conectado” para cidades inteligentes?

Parte disso passava pelo 5G. Estamos, nos mercados mais avançados, apenas na primeira metade do ciclo de 5G, que é de 10 anos, e ele é absolutamente necessário para tudo o que vem depois. O 5G é a única tecnologia que foi concebida para compor esse tecido, diferente do 4G que foi concebido para conectar um telefone. É claro que o 4G é parte, pode estar conectado a um carro, mas a pervasividade, a alta capacidade, a latência, isso vem do 5G. Vamos ver em 2028 ou 2030 esse tecido surgir, com a maturidade plena do 5G. Possivelmente o ciclo do 5G será um pouco mais longo do que o de outras gerações justamente por isso, porque o passo para o 6G será uma evolução, mais do que uma revolução. O 6G aprofundará o 5G, mas não mudará as bases. E obviamente isso varia muito de país para país. Na China, por exemplo, as decisões são mais rápidas, não tem muita discussão depois que a decisão do governo é tomada. Nos EUA ainda vemos casos de cidades brigando para não terem uma antena 5G, então cada país tem uma realidade. Na Índia o 5G está sendo lançado agora… Mas até o final da década veremos essa rede plenamente conectada, com certeza.

O C-V2X, para a conexão veicular, está padronizado?

Na China sim, Europa e EUA estamos ainda com algumas questões, mas o caminho é esse. Ainda existem algumas discussões locais, mas se o governo federal decidir ser mais incisivo em relação às definições, certamente resolverá.

Já é possível estimar quanta informação um veículo plenamente conectado e autônomo vai gerar na rede? 

Existem alguns modelos. O que a gente sabe é que cerca de 60% ou mais do tráfego será na borda, possivelmente sem passar pelo core da rede, e isso é muita coisa.

Qual é o principal desafio então para chegarmos nesse cenário vislumbrado de carros e cidades conectadas?

É a mesma discussão que sempre temos: definir padrões ainda pendentes, coordenar essas políticas, e definir modelos de negócio viáveis. Esses são os grande desafios. Mas claro que temos antes o desafio de assegurar que as pessoas possam ter condições de adotar a tecnologia. Não adianta ter uma rede de carros conectados se as pessoas não puderem comprar. Existem muitos desafios mas estamos avançando de maneira muito rápida. Veja o que foi a CES esse ano. Falamos muito de carros conectados, cidades conectadas. Mas ainda são processos individuais, orgânicos,, mas não sistemáticos. Mas os benefícios para as sociedades, para as cidades, começam a aparecer e trazer mais atenção para o processo.

FONTE: https://teletime.com.br/16/01/2023/carros-conectados-serao-parte-da-rede-de-cidades-inteligentes-diz-qualcomm/