Burocracia regulatória: um entrave à expansão das soluções de IoT

Na sequência da série sobre direito e a Internet das Coisas (“internet of things” ou “IoT”), em parceria com o JOTA, abordaremos neste artigo a necessidade de desburocratização dos processos da Anatel que possam interferir na atividade de provedoras de dispositivos de IoT, como forma de viabilizar a expansão de IoT no Brasil.

Trata-se de um dos pontos discutidos no estudo “Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil”, realizado pelo consórcio McKinsey / CPqD / Pereira Neto Macedo Advogados e coordenado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (“MCTIC”) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”).

Um dos pontos identificados no Estudo que se coloca como um entrave burocrático para o desenvolvimento das soluções de IoT no Brasil é o procedimento de certificação e homologação e equipamentos usados para a exploração de serviços de telecomunicações.

Em suma, nesses procedimentos a Agência busca assegurar que os produtos utilizados estejam em conformidade com os regulamentos e normas por ela editados. Dentre os temas endereçados nestas normas, a Anatel estabelece os requisitos técnicos para a avaliação do produto de acordo com suas características técnicas, tais como limites para as emissões de radiofrequências, tolerâncias para a potência, desvio de frequência, etc.

Conforme concluído pelo Estudo, os procedimentos da Anatel até então existentes para certificação e homologação de produtos gerariam barreiras para a expansão do uso de dispositivos de IoT. Em síntese, as barreiras possuiriam duas principais causas: (i) o processo de certificação e homologação é complexo, extenso e demasiadamente moroso, e inclui múltiplas análises de diferentes agentes; e (ii) inexistem acordos de cooperação internacional que dispensem o procedimento de certificação já executado em outras jurisdições, não havendo critérios internacionais que viabilizem a otimização dos testes realizados para certificação dos equipamentos.

Nesses moldes, o quadro regulatório traz maiores custos e menor competitividade para os fabricantes e comerciantes de produtos relacionados à IoT, uma grande burocracia para a importação de produtos estrangeiros e exportação de produtos nacionais envolvendo IoT; e atraso na entrada da tecnologia no mercado, isto é, uma defasagem tecnológica para o País.

  1. O que já foi feito pela Anatel

Considerando este cenário, a Anatel já tomou atitudes que buscam equacionar a questão. Nesse contexto se insere a Consulta Pública nº 34/2016, já finalizada, que propôs a revogação das normas e regulamentos técnicos de certificação de produtos para telecomunicações, a fim de uniformizar os procedimentos internos por meio da publicação de novos requisitos técnicos. A referida Consulta Pública resultou na edição da Resolução nº 686, de 13 de outubro de 2017 que entrou em vigor em fevereiro deste ano e revogou 36 resoluções relativas a normas para certificação e homologação de produtos para telecomunicações.

Atualmente, a análise dos requisitos técnicos para a homologação e certificação de equipamentos são definidos por atos do Superintendente de Outorgas e Recursos à Prestação. Comparado à dinâmica anterior, em que era necessário ao Conselho Diretor editar resolução, a sistemática atual permite maior flexibilidade para a definição dos requisitos, o que possibilita melhor acompanhar o desenvolvimento tecnológico dos produtos.

Na mesma linha, deve-se destacar, ainda, a Consulta Pública nº 33/2017, pela qual a Agência submeteu ao escrutínio da sociedade a proposta de Regulamento de Avaliação da Conformidade e Homologação de Produtos para Telecomunicações, em substituição ao Regulamento e à Norma aprovados pelas Resoluções nº 242/2000 e nº 323/2002, respectivamente, que atualmente regram a avaliação da conformidade e a homologação da certificação de produtos para telecomunicações.

No entanto, desde fevereiro de 2018, quando a Anatel prorrogou o prazo o prazo para recebimento das contribuições até o dia 1º de abril de 2018, não há novos andamentos no processo. É importante que a Anatel dê prosseguimento ao processo.

Um ponto que entendemos relevante na revisão da Resolução nº 242/2000 é a disciplina da assinatura de acordos de reconhecimento mútuo com outras jurisdições (art. 3º, inciso I). Nesse sentido, é positiva a previsão na minuta de resolução submetida à Consulta Pública de que cumpre à Anatel a facilitação da inserção do Brasil em acordos internacionais de reconhecimento mútuo (art. 3º, inciso V da minuta submetida à Consulta Pública) e um título inteiro dedicado ao tema (Título VI – dos Acordos de Reconhecimento Mútuo da minuta submetida à Consulta Pública).

  1. Certificação e Homologação de Equipamentos de Radiação Restrita

Os equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita são regulados pela Resolução nº 680/2017. A referida resolução permitiu que os requisitos técnicos gerais fossem desmembrados dos requisitos técnicos específicos de forma a gerar maior dinamicidade para o processo. Assim, a resolução estabeleceu que, com relação aos requisitos técnicos específicos, as especificações mínimas e, quando necessário, os procedimentos de ensaios laboratoriais deveriam ser estabelecidos em ato próprio (art. 10, §1º da Res. 680/2017).

Após sucessivas consultas públicas para tratar da questão (Consultas Públicas nº 20/2017, 27/2017 e 19/2018) e a edição de vários Atos Normativos, a Anatel expediu o Ato nº 14.448/2017 e o Ato nº 6.506/2018 para disciplinar: (i) os Requisitos Técnicos para a Avaliação da Conformidade de Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita; e (ii) os Procedimentos de Ensaio para Avaliação da Conformidade de Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita, respectivamente.

Um avanço importante com a edição dos referidos Atos é que agora estão contemplados os equipamentos que fazem uso da tecnologia Chirp Spread Spectrum, que é utilizada pelas redes de IoT SigFox e LoRaWAN.

  1. Iniciativas mais recentes

Das iniciativas mais recentes levadas à cabo pela Anatel quanto à desburocratização necessária ao desenvolvimento da IoT, vale menção à Consulta Pública nº 38/2018, que trata do projeto estratégico de reavaliação do Modelo de Outorga e Licenciamento de Estações.

No Processo nº 53500.014706/2016-50 a Agência afirmou que, na elaboração da proposta levou-se em consideração “a necessidade de se aperfeiçoar a regulamentação referente à outorga e licenciamento, com vistas a reduzir as barreiras de entrada para novos players que pretendam atuar no mercado de telecomunicações e facilitar a prestação do serviço pelas autorizadas e concessionárias por meio da eliminação de restrições para a prestação e pela adoção de mecanismos menos complexos e dispendiosos para o setor”. Tomou em conta, ainda, “o crescimento das comunicações máquina a máquina, a internet das coisas e o expressivo número de equipamentos que serão interconectados às ditas redes de quinta geração, o que torna necessária uma profunda discussão sobre os mecanismos que serão utilizados na outorga e licenciamento de modo a possibilitar o pleno funcionamento do setor e a desejável expansão das redes de telecomunicações”.

Nesse contexto, deve ser destacada a proposta de dispensa do licenciamento de terminais de usuários e de estações máquina-a-máquina1. Sobre esse ponto, o Conselheiro Otavio Luiz Rodrigues Junior sugeriu, na Análise nº 161/2018, determinar a criação de um grupo de estudos para propor uma solução tributária viável e apta a recompor, se for o caso, o impacto gerado com a alteração no licenciamento de estações móveis e máquina a máquina – determinação, contudo, não acatada no Acórdão nº 565/2018, que aprovou a Análise.

Por fim, outra iniciativa da Anatel que merece ser destacada é a abertura da Consulta Pública nº 31/2018. Trata-se de uma Tomada de Subsídios que ocorre no âmbito do projeto de reavaliação da regulamentação visando a diminuir barreiras regulatórias à expansão das aplicações de internet das coisas e comunicações máquina-a-máquina, prevista no item nº 35 da Agenda Regulatória aprovada para o biênio de 2017-2018.

Entre outros assuntos discutidos no âmbito da referida Consulta Pública, discute-se a possibilidade de revisão do processo de elaboração de requisitos técnicos para permitir a rápida implantação de qualquer tecnologia no país. A questão é essencial diante da possibilidade de que o processo se torne um gargalo na disponibilização dos dispositivos ao mercado, dada a projeção de uma quantidade muito grande de dispositivos IoT sendo desenvolvidos nos próximos anos.

No próximo artigo, seguiremos tratando de desafios regulatórios para expansão de IoT no Brasil. Até lá!

FONTE: JOTA