Breve guia para seu projeto de inteligência artificial dar certo

A primeira lição é entender que IA não é uma questão de tecnologia, mas um meio que ajuda a desenvolver ou criar novos negócios

Recentemente li um estudo interessante do MIT Sloan, “Winning With AI”. O resultado do estudo mostrou que nove entre dez executivos já entendem que Inteligência Artificial (IA) representa oportunidade de negócios. Por outro lado, 45% a percebem como risco. O risco está em não ser rápido o suficiente para adotar IA e, com isso, perder espaço para outras empresas ou novos entrantes que sejam mais ágeis no seu uso.

Por outro lado, as empresas que já iniciaram sua jornada em IA ainda não conseguiram obter resultados significativos. Cerca de sete entre dez pesquisados disseram que os resultados alcançados foram negligíveis.  Por que isso acontece?

A resposta deve vir dos casos que estão dando certo. Os resultados positivos aparecem quando a empresa tem uma estratégia de negócios que considera IA com senso de urgência; enfatiza crescimento do negócio com novas oportunidades alavancadas por IA e não objetivam prioritariamente redução de custos; conseguem integrar IA como parte de uma solução de negócios que envolva outros sistemas; e investiram adequadamente em talentos, sejam técnicos qualificados como ML engineers e data scientists, bem como educação para executivos poderem extrair o potencial de IA.

Essas empresas entenderam que IA não é uma questão de tecnologia, mas um meio, uma ferramenta que ajuda a desenvolver ou criar novos negócios. A pergunta certa que elas se fizeram foi: “diante das transformações provocadas pela revolução digital, quais são nossos objetivos de negócio para os próximos anos e como a IA poderá nos ajudar a alcançar estes objetivos?” Reparem que não existe uma estratégia de IA isolada, mas uma estratégia de negócios que coloca IA como fundamental e urgente.

Assim, a primeira lição é antes de investir tempo e dinheiro em IA, você precisa de uma estratégia para orientar sua utilização. Sem uma estratégia de negócios que considere IA, a IA se tornará um custo adicional que não fornecerá um adequado retorno do investimento. As iniciativas de IA não devem ser feitas pelo modismo (“todos estão fazendo”), mas com objetivos bem claros para resolução de problemas de negócio.

Esteja atento às suas limitações e separe os mitos da realidade. Não existem soluções “plug-and-play” que magicamente funcionam do nada, sem uma, às vezes, longa e exaustiva fase de treinamento do algoritmo aos seus dados. Não esqueça que nem tudo pode e deve ser resolvido através da IA e estude e se aprofunde nos conceitos, potencialidades e limitações da IA. Priorize seus projetos de IA baseados no valor a ser gerado e na sua viabilidade (existem dados para possibilitar treinamento do algoritmo?). Assegure-se também que você tem equipe preparada (“ML engineers” não são colhidos em árvores). E, por fim, reserve budget adequado.

O treinamento dos algoritmos pode demandar muito tempo e a implementação do sistema pode demandar grandes recursos computacionais. Nos projetos de IA garanta também que as demandas de segurança, privacidade e ética estejam sendo adequadamente endereçadas, que os dados não embutem vieses que podem gerar mais dano que valor e não esqueça que IA é uma solução embutida em algo maior, que provavelmente demandará modificações em processos de negócio.

Uma estratégia de IA implica em investimentos e aceitação de riscos. Fazer economia é algo que vai cobrar seu preço

Uma estratégia de IA implica em investimentos e aceitação de riscos. Fazer economia é algo que vai cobrar seu preço. Parece piada, mas  já ouvi executivos de empresas querendo reduzir a presença de cientistas de dados em projetos de IA para reduzir custos, bem como em uma ocasião tive o desprazer de ouvir um executivo de uma grande empresa dizer que quer investir em IA, mas o que o seu budget para o ano era de dez mil reais. “O que pode ser feito com este budget?”, ele perguntou. A resposta não poderia ser outra. “Vá fazer um curso para entender o que é IA. Será a melhor maneira de aplicar este dinheiro.”

A jornada para adoção de IA na organização não é uma corrida de 100 metros rasos, mas uma maratona. É um processo de aprendizado contínuo. À medida que você for obtendo experiência com projetos de IA vai aprender que os prazos para suas iniciativas de IA são muito mais incertos do que os que você está acostumado, como no desenvolvimento de software tradicional.

Os sistemas de IA não podem ser desenvolvidos de forma linear, desenvolvidos de uma vez, testados e implantados. Normalmente, são necessários vários ciclos de treinamento para identificar uma combinação adequada de dados, arquitetura de rede e ‘hiperparâmetros’ (as variáveis que definem como um sistema aprende).

Essa dinâmica varia de acordo com o domínio e a natureza do problema e os dados disponíveis. Portanto, pode ser um desafio prever ou automatizar iniciativas de IA, a menos que sejam muito similares aos projetos que você já realizou anteriormente. Além disso, precisamos ter confiança que não temos anomalias. Diferentemente da computação programática onde o software responde diretamente ao desenvolvedor que coloca todas as instruções em linhas de código e caso a resposta não seja correta, você depura e conserta o código, a IA interpreta dados com seus algoritmos e daí toma suas decisões.

Nos algoritmos não supervisionados, não sabemos se a resposta está certa ou errada, pois a resposta pode ser algo que nós humanos não havíamos percebido e a máquina identificou como um padrão e gerou sua decisão a partir desta constatação. A máquina pode gerar resultados surpreendentes, que nós jamais imaginaríamos.

Antes de começar a jornada, analise a sua governança de dados. Se essa governança não existir, comece por aí. Um dos principais desafios para as iniciativas de IA é a disponibilidade de dados, em volume e qualidade. Algoritmos, por mais sofisticados que sejam, não darão certo se não puderem ser treinados de forma adequada. Para isso serão necessários dados. Dados são o sistema circulatório de qualquer sistema de IA. Um dos princípios fundamentais da “data science” diz “os dados e capacidade de extrair conhecimento útil a partir deles, devem ser considerados importantes ativos estratégicos”.

Para aproveitar o potencial da IA você vai precisar de pessoal capacitado. E hoje temos um imenso desafio: escassez de talentos

Para aproveitar o potencial da IA você vai precisar de pessoal capacitado. E hoje temos um imenso desafio: escassez de talentos. A demanda por talentos em IA é crescente e existe um abismo entre demanda e oferta, com diversas funções disponíveis para cada profissional de IA verdadeiramente capacitado.

A IA exige competências avançadas em matemática, estatística e programação. Mas, além das habilidades técnicas, cada vez mais os profissionais de IA devem ter conhecimento do domínio do negócio, para interpretar os dados adequadamente e fornecer recomendações relevantes; e experiência em engenharia de software, para desenvolver soluções que funcionem no mundo real.

A combinação de competências técnicas, setoriais e de engenharia exigidas dos profissionais de IA limita o tamanho do pool de talentos. Você não vai encontrar todas estas habilidades em um só profissional. Por isso, constitua uma equipe multidisciplinar, com capacitações complementares. Lembre-se que formar talentos em IA não é tão fácil e simples como pegar um desenvolvedor Java, com pouca base matemática e tentar convertê-lo em um “ML engineer”. Aprender a escrever código Python não o transforma em um engenheiro de ML, apenas em um desenvolvedor Python.

Projetos de IA não são projetos de tecnologia. São projetos de negócio que usam ferramentas probabilísticas, como algoritmos de deep learning, como componentes da solução. Uma regra simples, mas eficaz, é considerar a IA como 10% algoritmos, 20% tecnologia e 70% transformação de processos de negócios.

O estudo do MIT Sloan demonstrou claramente que os casos de sucesso foram de empresas que entenderam que IA não é tecnologia pura e simplesmente. Um dado interessante é que os projetos de IA liderados pela área de tecnologia (CIO) apresentaram valor real para o negócio em 17% dos casos, enquanto nos liderados por executivos de alto nível como os próprios CEOs, o percentual subia para 34% ou mesmo 37% quando liderado por um executivo mais focado em negócio como um Chief Digital Officer. Não que os CIOs não sejam competentes para liderar projetos, mas por sua característica profissional acabam se concentrando mais na tecnologia e menos nas necessidades de mudanças transformacionais que a IA poderá alavancar.

Uma das barreiras que comumente encontramos e que o estudo explicita é fazer a iniciativa de IA sair do laboratório e entrar em produção. Um sistema de IA não utilizado não oferece valor. Um protótipo, se não for colocado em produção, torna-se um brinquedo. Ao planejar o projeto de implementação, valide onde seu sistema será executado: no seu data center ou na nuvem?

A opção pelo seu data center, on premise, geralmente é tomada quando seus dados são altamente sensíveis e você precisa mantê-los sob seu controle direto. Normalmente, isso é possível apenas para empresas que já possuem sua própria infraestrutura de hardware. Essa pode ser uma opção válida se o volume de solicitações de gerenciamento for conhecido e relativamente estável. No entanto, todo o novo hardware adicional deve ser adquirido e provisionado, o que limita a escalabilidade.

A opção de usar nuvem pode ser vantajoso para a maioria das empresas. Não esqueça que você pagará para transferir e receber dados, mas vai evitar o custo da aquisição de hardware e de uma equipe para gerenciar a infraestrutura. Como transferir grandes volumes de dados é custoso, se você já estiver usando ambientes de nuvem como os da Amazon, Google, IBM ou Microsoft, para suas aplicações tradicionais, é mais atrativo continuar com ele para seus projetos de IA. Após a criação do seu modelo, teste-o com dados ativos para obter uma medida de precisão mais apropriada. De maneira geral essa precisão é menor que a obtida no teste e deve ser refinada continuamente.

Lembre-se que um sistema de IA não cessa de evoluir nunca

E, finalmente, lembre-se que um sistema de IA não cessa de evoluir nunca. Infelizmente na hora que você coloca um sistema de ML em produção ele começa a degradar! O artigo “Why Machine Learning Models Degrade In Production” debate esta questão. Mas fica claro que para manter a inteligência do sistema de IA, teste regularmente os resultados com dados ativos, para garantir que os resultados continuem atendendo seus critérios de aceitação.

Separe budget para futuras atualizações e reciclagem, e monitore sistematicamente a degradação do desempenho. À medida que sua empresa cresce ou muda o foco, os dados (incluindo dados de séries temporais e características do produto) evoluirão e se expandirão. A reciclagem sistemática de seus sistemas deve ser um componente de sua estratégia de IA. Lembre-se de que a IA é uma capacidade, não um produto. Está sempre melhorando. Surgem novos algoritmos e as técnicas de IA que usamos hoje podem se tornar obsoletas em poucos anos.

Nos eventos corporativos que abordam IA, a maioria dos casos contados estão concentrados em redução de custos, como assistentes virtuais para facilitar o atendimento a clientes, reduzindo o papel dos call centers. Na prática, equivale a um táxi ou Uber usar gás como combustível, em substituição a gasolina. Não cria diferencial sustentável em relação à concorrência.

Um maior conhecimento do potencial da IA e, claro, maior dose de audácia, pode fazer com que a empresa reinvente e reimagine processos de negócio e crie novos modelos de geração de valor. É aqui que o verdadeiro potencial da IA ​​aparece: não em fazendo a mesma coisa melhor, mais rápido e mais barato, mas fazendo coisas totalmente novas. É aqui que a IA pode fazer com que a empresa seja ela a disruptora de sua indústria.

À medida que os líderes empresariais visualizarem e conceberem um futuro cada vez mais próximo, digital e motorizado pela IA, as iniciativas de IA serão consideradas essenciais para estratégia de negócios de uma empresa, e, portanto, a IA sairá do campo do futuro para o do cotidiano.

FONTE: NEOFEED