Brasil não acordou para a Inteligência Artificial

Luis Lamb é pesquisador da Ufrgs e atual secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul /LUIZA PRADO/JC

Inteligência Artificial (IA) deixou de ser caso de ficção científica há anos nos Estados Unidos, na Europa e na China. No Brasil, ainda não acordamos para as oportunidades. O alerta é do pesquisador em Inteligência Artificial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e atual secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Luis Lamb, direto do Hawaii (EUA), onde aconteceu na semana passada a AAAI Conference on Artificial Intelligence. “Temos pouquíssimas pessoas capacitadas nesta área no País e não percebemos que o grande valor agregado do futuro está na inteligência, naquilo que vem de uma mente muito educada”, destaca. Um exemplo prático de como esse tema é levado à sério é que nestas três regiões do mundo, a ciência da computação já é matéria obrigatória nas escolas. No Brasil ainda se discute se devemos fazer isto no futuro. Nesta entrevista, Lamb fala sobre os principais insights da edição 2019 da AAAI, das áreas que mais estão se desenvolvendo em IA e na demanda mundial que há pela formação de pessoas para atuar nesse mercado.

Jornal do Comércio – O que está por trás da explosão da IA?

Luis Lamb – Com o aumento impressionante da capacidade de processamento das máquinas e da manipulação de dados, temos conseguido desenvolver sistemas para visão computacional e reconhecimento de imagens com acurácia até superior à visão humana. O pulo do gato recentemente foi o fato de passarmos a ter sistemas com performance em tarefas humanas muito superiores aos humanos. Isso abriu a caixa de pandora. Os CEOs estão sendo confrontados a lidar com os desafios de uma área que há poucos anos era dominada apenas por pesquisadores da academia e que, em menos de uma década, está modificando e influenciando diversos domínios de conhecimento e toda a economia. Os governos mundiais não estavam preparados para o potencial desta tecnologia, mas em torno de 30 países já desenharam estratégias nacionais de IA. No Rio Grande do Sul, certamente vamos trabalhar para termos uma estratégia para o Estado.

JC – Quais as principais aplicações hoje da IA?

Lamb – Todas as áreas possuem oportunidades para o desenvolvimento de aplicações em IA, especialmente no setor público (para gestão de cidades), saúde, energia e financeiro. A ciência da computação e de automação também absorve tecnologia muito rapidamente, bem como a indústria. Onde temos uma regulação estrita/rígida, vai demorar mais. IA não é mais ficção e tem influenciado inúmeros setores da economia, da cultura e dos negócios. Essa tecnologia vai agregar muito valor e vai gerar disrupções. As aplicações hoje são muito focadas para reconhecimento de padrão e imagem. O grande desafio ainda é a parte de raciocínio e interpretação em IA. Hoje se consegue pegar dados de quem teve uma doença e aprender com aquilo, fazer diagnósticos. Mas, em áreas como endocrinologia, que tem muitos fatores hormonais envolvidos, os avanços são limitados. Onde dependemos mais destes sistemas com raciocínio de bom senso, é mais difícil programar. As áreas que menos sabemos em medicina, como neurologia, são as que teremos um domínio mais limitado em IA neste primeiro momento. Mas, nas áreas com muitas informações, cada vez mais conseguiremos treinar sistemas para dar diagnósticos com precisão.

JC – O que explica a velocidade do avanço dos projetos chineses nesta área?

Lamb – A China leva IA à sério e tem apoio multibilionário do governo. Se formos avaliar o cenário da própria AAAI, tivemos mais trabalhos da China do que dos EUA – e esta conferência é tipicamente americana, sempre organizada na América do Norte. Foram mais de 7 mil trabalhos submetidos; destes, foram aceitos em torno de 1 mil. Os chineses submeteram mais de 2,4 mil e apresentaram 382. Foram menos de cinco artigos aceitos do Brasil (entre eles um trabalho do grupo de pesquisa de Lamb, sobre aprendizado de máquina). As universidades chinesas estão fazendo trabalhos do mesmo nível técnico que as melhores universidades americanas e europeias.

JC – As empresas de tecnologia estão em uma corrida para buscar talentos em Inteligência Artificial. Que oportunidades que esse cenário apresenta?

Lamb – Grandes empresas americanas e chinesas estão aqui (na AAAI) contratando pessoas para trabalharem com machine learning e IA. São players como Baidu, WeBank, Amazon, Google, Facebook, Lyft e Microsoft. A verdade é que faltam centenas de milhares de profissionais no mundo inteiro para atuar nestas áreas. As universidades americanas estão oferecendo oportunidades (cursos ou posições para projetos de pesquisa), mas hoje é difícil manter um aluno de doutorado em IA porque os salários que as empresas de tecnologia estão oferecendo a eles são gigantescos. Tem ex-professor universitário indo trabalhar no mercado corporativo ganhando US$ 1,5 milhão, salário de jogador de futebol.

JC – Qual a importância de preparar as pessoas para esse mundo novo trazido pela IA?

Lamb – As pessoas estão vislumbrando um mundo com menos trabalho devido à automação. Muitos postos vão desaparecer, ficaremos apenas com as posições altamente qualificadas no futuro. Os empregos da indústria que foram perdidos nunca mais vão voltar. As pessoas precisam ser educadas para novo mundo e preparadas para essa realidade. JC – Onde o aprendizado humano supera o artificial? Lamb – Um dos grandes desafios de pesquisa em IA é usar os mesmos algoritmos para aprenderem uma tarefa e transferirem para outra. Existem tendências de aprendizado supersofisticados que você pode refinar a máquina jogando contra ela mesma. É quando o sistema aprende a partir da sua própria performance. Nestes casos, nem vale a pena aprender com humanos, porque as máquinas chegaram a um nível muito mais alto de conhecimento. Da mesma forma, esses sistemas de reconhecimento de imagem estão superiores ao ser humano para reconhecer algumas coisas, então passam a treinar sistema a partir do aprendizado que ele mesmo tem sobre tema. Parece perfeito, mas isso não significa que seja possível fazer transferência de aprendizado. Nada do que está programado pelo sistema que joga o melhor xadrez do mundo pode ser usado, por exemplo, para fazer um diagnóstico médico. Não tem transferência de aprendizado – os humanos fazem isso, mas as máquinas ainda não.

FONTE: JORNAL O COMÉRCIO