Brasil e China vão discutir produção conjunta de satélites, revela chanceler

Mauro Vieira diz que viagem de Lula a Pequim também vai debater reformulação do Conselho de Segurança e métodos de trabalho da ONU, além de uma nova governança global e acordos comerciais.

Mauro Vieira: “Há mais de dez anos a China é nosso maior parceiro comercial, com grandes investimentos” — Foto: Cristiano Mariz/O Globo

Os governos do Brasil e da China devem discutir nos próximos meses a modernização de um programa de cooperação tecnológica entre os dois países para a produção de satélites de observação da Terra. Esse é um dos temas da pauta que a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva levará em março a Pequim, informou ao Valor o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Com quase 40 anos, a parceria viabilizou a produção de satélites de diversas aplicações, do monitoramento do clima a projetos de sistematização e uso da terra, além de gerenciamento de recursos hídricos e produção de imagens para licenciamento ambiental.

“Além da política, as prioridades são econômicas, na área de ciência e tecnologia, educação, pesquisa. Há mais de dez anos a China é nosso maior parceiro comercial, com grandes investimentos, e um ator imprescindível no mundo”, disse o chanceler. “Vamos discutir com eles a reformulação do Conselho de Segurança, os métodos de trabalho da ONU, uma nova governança global e acordos comerciais que podem surgir”, completou.

Ele acredita que a tensão diplomática entre China e Estados Unidos, agravada após a identificação de balões supostamente espiões, ainda não é grave o suficiente para demandar uma eventual intermediação de outros países. “Acho que são incidentes que têm que ser resolvidos, mas sobretudo em contatos entre os dois países”, disse.

Sobre os desdobramentos da recente ida de Lula a Washington, Vieira disse que o ex-secretário de Estado John Kerry deve chegar ao Brasil na primeira semana após o Carnaval para dar andamento à adesão dos EUA ao Fundo Amazônia. Ele também comentou as atribuições do ex-chanceler Luiz Alberto Figueiredo, recentemente nomeado embaixador do Clima.

Vieira falou ainda das expectativas do Brasil para o andamento do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia e para as eleições da Venezuela, em 2024. Em entrevista recente ao jornal “O Globo”, o chanceler argentino, Santiago Cafiero, disse que o Brasil poderia ser convidado a participar de um grupo de países para mediar o debate entre o governo Nicolás Maduro e a oposição, visando eleições transparentes.

A seguir os principais pontos da entrevista:

Fundo Amazônia
A visita [aos EUA] foi realmente excepcional, uma visita de cunho político, que serviu para restabelecer o contato. O resultado imediato foi a boa vontade dos Estados Unidos em aderir ao Fundo Amazônia. Mas tudo isso vai continuar e agora vai haver negociações em nível técnico. Essa foi uma visita basicamente política, os presidentes manifestaram intenções, mas não houve negociação. E agora isso vai continuar a ter desdobramentos. Em breve, no dia 27 ou 28 [de fevereiro], o ex-senador e ex-secretário de Estado John Kerry, agora negociador americano para o Clima, estará no Brasil e vai retomar as conversas iniciadas pelos presidentes em relação ao Fundo Amazônia e outros que virão.

Convite para reunião do G7
O Brasil já foi convidado várias vezes para esse diálogo com países do G7, deixou de ser convidado nos últimos anos e agora volta a ser. No momento em que for efetivado o convite, o Brasil participará, sem dúvida nenhuma. Temos contribuições a apresentar. Não tem nada a ver com a posição brasileira no conflito [Rússia-Ucrânia], sobretudo no que diz respeito ao fornecimento de armas, porque nós não nos engajamos nisso, nem com a reforma do Conselho de Segurança da ONU. São assuntos que não se comunicam.

OCDE
Isso é um assunto que envolve vários ministérios, não só as Relações Exteriores. Toda a área econômica, Indústria e Comércio, Agricultura etc. Nós estamos há pouco mais de 40 dias no governo e estamos avaliando o convite que foi recebido pelo governo anterior. E aí vamos ver os passos a tomar. É um processo longo, em que você tem que tomar decisões e aderir a muitas convenções, inclusive adaptando legislações internas. Então é um processo longo que a própria OCDE calcula que seja algo entre quatro e cinco anos. Então, estamos avaliando e tudo o que for do interesse do Brasil será perseguido.

Lula na China
Além da política, as prioridades são econômicas, na área de ciência e tecnologia, educação, pesquisa etc. Há mais de dez anos a China é nosso maior parceiro comercial, com grandes investimentos, e ator imprescindível no mundo. O Brasil terá, sem dúvida, muitos assuntos para discutir com as autoridades chinesas. Por exemplo, vamos discutir com eles a reformulação do Conselho de Segurança, os métodos de trabalho da ONU, uma nova governança global, acordos comerciais que podem surgir e investimentos. O Brasil tem há quase 40 anos um programa de pesquisas espaciais e construção de satélites de observação da Terra e isso tudo tem que ser adaptado aos requerimentos atuais.

Acordo comercial China-Uruguai
A posição do Brasil é de que o Mercosul negocia sempre em conjunto. As questões que podem haver, que surgem, são discutidas dentro do Mercosul. Quer dizer, se o Uruguai tem posições específicas, elas serão discutidas dentro do Mercosul, entre os países do Mercosul e não entre o Brasil e a China.

Crise dos balões
Acho que são incidentes que têm que ser resolvidos, mas sobretudo em contatos entre os dois países. Não vejo que seja uma situação alarmante neste momento. Evidentemente que todos os países têm que defender seu espaço aéreo e sua integridade territorial, mas não acho que estejamos diante de uma situação de grande gravidade.

Rússia x Ucrânia
O presidente tem dito repetidamente que se fala muito em guerra e em armas e que ele gostaria de ouvir mais pessoal falando em buscar a paz. Então, ele sempre se colocou à disposição para que haja um movimento de países e que a contribuição do Brasil seja considerada importante. Se convidado a participar, o Brasil poderia acrescentar a sua voz a países que querem buscar a paz, ou seja, promover uma discussão e uma condição em que se possa falar de paz e não só de guerra. Ele tem manifestado a intenção de contribuir no momento em que for criado um grupo. O presidente falou disso com o chanceler alemão (Olaf Scholz), com o presidente da Argentina (Alberto Fernández), com o presidente do Uruguai (Lacalle Pou) e em conversas telefônicas com chefes de Estado, mas ainda não há nada concreto, preciso.

Acordo UE-Mercosul
Estamos esperando que a União Europeia nos apresente os anexos ao acordo que foi negociado e concluído no governo passado. E nós estamos avaliando o conteúdo para ver no que o interesse nacional está resguardado. Vamos conversar com nossos parceiros do Mercosul para continuar a negociação, mas depois que conhecermos todos esses anexos do acordo. A informação que eu tenho do governo passado é que a negociação estava concluída a nível técnico, mas que não estava assinado. Para ser assinado, precisará ser revisto pelo atual governo, porque se foi negociado pelo anterior, este tem que saber o que está dentro desse acordo. O acordo é importantíssimo, vai conectar dois blocos importantes, mas agora falta o ato político da assinatura. Depois, a aprovação do Parlamento Europeu, dos parlamentos dos 27 países da UE e do Legislativo dos quatro países do Mercosul. Há ainda um longo percurso a ser percorrido.

Eleições na Venezuela
Já tomamos a decisão de reabrir a embaixada do Brasil em Caracas, assim como os consulados na Venezuela. Então já há uma aproximação. Não vi as declarações do ministro Santiago, mas imagino que ele tenha se referido a algum mecanismo semelhante ao que houve no passado da troika da Unasul que negociava com o governo e a oposição na Venezuela para criar condições para que houvesse eleições legislativas – que houve e que o governo perdeu a maioria. Acho que é uma ideia boa reviver um grupo desse tipo, um grupo de contato que possa estabelecer condições de entendimento entre o governo e a oposição.

Novo embaixador do Clima
O Itamaraty já designou no passado ministros e embaixadores especiais para o clima. É parecido com a posição que tem o ex-secretário de Estado John Kerry, que é um negociador do clima. No nosso caso, será um embaixador especial do clima, que possa viajar, conversar e explicar posições brasileiras depois de um período de quatro anos em que o país esteve afastado de todo e qualquer diálogo, inclusive com posições internas que eram consideradas hostis em muitos países e que travaram uma série de negociações e a contribuição ao Fundo Amazônia. É uma função que ele terá para poder estar com autoridades de outros países e explicar nossa posição. A negociação continuará sendo feita pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Itamaraty, através do nosso secretário de Meio Ambiente e Clima.

Dilma no Banco do Brics
Não sei como está. Preciso conversar com as agências envolvidas e com a presidenta para saber como estão essas questões. Não tenho nenhum dado a mais.

FONTE: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/02/16/brasil-e-china-vao-discutir-producao-conjunta-de-satelites-revela-chanceler.ghtml