Blockchain: entenda a tecnologia que passa a fazer parte da vida de empresas, governos e indivíduos

Prepare-se: as mudanças trazidas pelo blockchain não serão indolores

Dolfi Müller, prefeito da cidadezinha suíça de Zug, lembra-se bem do dia em que dois nerds apareceram na prefeitura com a ideia de criar ali um “Criptovale”. Pensavam numa espécie de Vale do Silício da criptografia e da tecnologia blockchain. “Esse OVNI aterrissou na cidade em 2013”, conta o prefeito, usando o avistamento de discos voadores como metáfora para seu assombro. “Inicialmente, não reagimos. Criptovale? Blockchain? Nem sabíamos o que era isso. Dissemos: ‘Ok, algo novo’.” Os nerds em questão eram uma dupla chamativa — o sul-africano Johann Gevers, extremamente ruivo, alto e magro, e o dinamarquês Niklas Nikolajsen, que cultiva cabelo e bigode ao estilo século 17, ambos criadores de startups. Instalaram-se em Zug com o objetivo de criar um ambiente perfeito para microempresas do segmento em que atuavam. Aos poucos, aconteceu. Startups de vários países começaram a chegar, espalhando-se num raio de 30 quilômetros. As primeiras foram Monetas (a empresa de Gevers), Bitcoin (onde trabalha Nikolajsen), Ethereum, Tezos e Xapo. Hoje, há cerca de 200 empresas na área.

Empresários e executivos que ainda ficam intrigados com a tecnologia, assim como o prefeito de Zug se sentiu em 2013, precisam começar por algumas características fundamentais da novidade. Pode-se pensar em blockchain como estruturas fundamentadas em criptografia para criação e troca de ativos. Isso, num banco de dados público (verificável por qualquer interessado) e supostamente inviolável (pode-se fazer cópias, mas não adulterações).

Pessoas, entidades e ativos (físicos e digitais) podem ser representados, identificados e negociados nesse ambiente. A depender do blockchain usado, em especial aqueles públicos (como Bitcoin e Ethereum), as transações ficarão registradas. Atos desses indivíduos e organizações — como comprar um bem ou violar um contrato — podem disparar instruções imediatas para outras partes interessadas. O conceito vem sendo testado desde os anos 90, amadureceu nesta década e se tornou popular com a criptomoeda bitcoin — no fim das contas, um exemplo muito restrito de uso da tecnologia.

O potencial da novidade iniciou uma corrida do ouro a aplicações em todos os setores. Como em qualquer corrida do ouro, há dois tipos de empreendedores — os que garimpam ouro e os que vendem ferramentas para o garimpo. No Brasil, dois dos garimpeiros são Eduardo Carvalho e Fabio Asdurian, fundadores da Dynasty (leia mais sobre eles no quadro nesta reportagem). A empresa se propõe a organizar investimentos imobiliários transnacionais, com o uso da tecnologia. Se o conceito funcionar, investidores poderão ganhar com compra, venda e aluguel de imóveis em qualquer lugar do mundo, de forma bem mais simples que a atual.

Entre os que vendem ferramentas de garimpo, destaca-se Rosine Kadamani, fundadora da Blockchain Academy. A empreendedora tem experiência de 12 anos como advogada no escritório Pinheiro Neto, um dos maiores do país. Ela e seus sócios oferecem aulas sobre o tema, cada vez mais concorridas. Já receberam funcionários de organizações tão diferentes quanto a Oracle, o Banco Votorantim, o Insper e a Polícia Federal. “Em oito horas, você consegue entender o assunto e sair conversando com consultores”, afirma. “Blockchain toca em direito, tecnologia, negócios… então, o advogado, o desenvolvedor e o empresário precisam saber mais a respeito.”

Muitos empreendedores, mundo afora, pensaram o mesmo que Rosine. Por isso Zug, a cidade suíça que antes abrigava multinacionais da indústria farmacêutica e executivos de paletó e gravata, foi invadida nos últimos anos por outra tribo — os jovens de jeans e tênis discutindo ideias mirabolantes. Até o dia em que o conselho da prefeitura, formado por cinco pessoas, de cinco partidos diferentes, acordou: o Criptovale era realidade.

No fim de junho de 2018, a cidade abrigou mais um evento internacional sobre o tema, a Conferência sobre Tecnologia Blockchain do Criptovale. Em março de 2019 é a vez do CV Summit. Zug, com seu lago, vista idílica para os Alpes e a mais famosa torta de cereja da Suíça, virou um hub mundial de startups e experimentadores da tecnologia mais celebrada do momento. Em julho de 2016, a prefeitura local tornou-se a primeira do mundo a aceitar bitcoins — decisão unânime dos cinco conselheiros, que nem consultaram os burocratas locais, “para não atrapalharem”, segundo o prefeito. No ano passado, a cidade se tornou pioneira ao oferecer a seus 30 mil habitantes uma identidade digital baseada em blockchain. Pode ser usada, por exemplo, para tomar um livro emprestado na biblioteca. Apenas 160 habitantes a adotaram. Mas o prefeito Müller acredita que é só questão de tempo para a difusão.

A mudança não será indolor. Blockchain não é um banco de dados tradicional, sob os cuidados de um único guardião. Adeptos mais radicais da tecnologia buscam o ideal utópico: um mundo digital descentralizado e seguro, onde todos têm participação e controle. Os nerds do blockchain não escolheram Zug por acaso. A cidade tem os impostos mais baixos da Suíça, e o país se encaixa num ideal dos adeptos do cripto: neutro, descentralizado, democrático, liberal e seguro. O apelo é fortíssimo entre especialistas identificados com o movimento cypherpunk (ativistas da privacidade e do direito do indivíduo ao controle de seu rastro digital). Além disso, blockchain promete dizimar intermediários de todo tipo — o que pode incluir tabeliões, banqueiros e advogados, a depender de como trabalhem.

Sonho grande demais? O Fórum Econômico Mundial de 2018, em Genebra, alertou para o crescente número de “evangelistas tecnológicos” com expectativas infladas — pessoas que acreditam no blockchain como solução para tudo, da desigualdade financeira global ao combate da censura de governos. Conceitos para lá de ousados surgem em sequência. Alguns dão certo. Ativistas estudantis da China do movimento  #MeToo, que protestam contra abuso sexual, recorreram à tecnologia para contornar a censura do governo. Uma estudante colocou uma carta denunciando abusos na plataforma de blockchain Ethereum. A transação custou US$ 0,52. Outro cidadão fez uma denúncia relativa ao uso de vacinas de má qualidade. Como no blockchain tudo é copiado, distribuído e um dado não pode ser alterado sem que outros saibam ou aprovem, o governo chinês não tem como alterar nem apagar as denúncias. Qualquer um com acesso à plataforma pode ver.

Como na chegada da internet nos anos 90, a promessa de mudança é radical e não respeita limites entre setores — o impacto vai da agricultura à indústria cultural. “Isso vai afetar todos os negócios”, avalia o secretário da Economia de Zug, Matthias Michel. “Por isso, temos de ajudar as empresas nessa virada tecnológica.” Zug não ajuda companhias com dinheiro, avisa o secretário, mas sim facilitando a vida dos nerds para que operem sem entraves.

A Suíça não corre sozinha. Empresas e governos preparam-se para uma disputa tecnológica. A IBM participou como fornecedora de serviços de mais de cem projetos de blockchain no mundo. O UBS, maior banco da Suíça, estima que o blockchain pode acrescentar entre US$ 300 bilhões e US$ 400 bilhões à economia global até 2027. Os bancos experimentam a tecnologia para se reinventar. O dinamarquês Søren Lemvig Fog, fundador da startup Iprotus e um dos pioneiros do Criptovale, lembra-se de como foi mal recebido em 2013, quando visitou bancos e propôs que eles usassem blockchain para oferecer bitcoins aos clientes. “Fui tratado como terrorista!”, conta. Hoje, bancos participam dos eventos do Criptovale.

O UBS criou um “Laboratório de Inovação” em Londres e lidera várias iniciativas de blockchain. A tecnologia força bancos a colaborarem entre si. Seis deles (Deutsche Bank, HSBC, Natixis, Rabobank, Société Générale, UniCredit) lançaram uma plataforma para facilitar o financiamento de pequenas e médias empresas para o comércio internacional. No Brasil, Bradesco e Itaú já fizeram testes conjuntos. Por meio da Febraban, associação do setor, 17 entidades acompanham as experiências.

“Temos de colaborar. Se todo mundo optar por tecnologia própria, não vamos chegar a lugar nenhum. Nossos grandes concorrentes não são os bancos, mas sim os Gafa — os Google, Apple, Facebook, Amazon, Alibaba”, diz Anja Bedford, que comanda a divisão de blockchain do Deutsche Bank, o quarto maior da Europa. “Isso vai mudar os bancos”, reconhece a executiva. “Mas por que fomos criados? Para emprestar dinheiro e tirar o risco do mercado. Em uma operação financeira, é preciso confiar que o dinheiro será pago. É por isso que os bancos estão intermediando: fornecemos o financiamento.”

Søren, o empreendedor da Iprotus, acha que os bancos ainda subestimam a mudança que terão de enfrentar. “Antes, bancos eram o lugar onde colocávamos tudo o que tínhamos de valor. Com blockchain, isso pode não ser mais necessário. Mas temos outros valores que podem ser entregues aos bancos, para que preservem com segurança — por exemplo, nossos dados privados.”

A Comissão Europeia lançou em dezembro 2017 um concurso chamado “Blockchain para o bem comum”, que vai premiar com € 5 milhões quem apresentar o projeto mais inovador que tenha impacto para a sociedade. O financiamento sai do programa Horizon2020, de incentivo à inovação, e o resultado sai em 2020. A Suécia testa blockchain em registros imobiliários. A Estônia, em bancos de dados de saúde. A Irlanda vai lançar o seu Criptovale. E a Espanha elabora uma lei de incentivos fiscais para atrair empresas de blockchain, de olho nas ofertas iniciais de moedas (ICO, na sigla em inglês) e nas vendas de tokens, identidades digitais e vales digitais para acesso a bens e serviços.

Especialistas, empresários e adeptos veem desafios pela frente. Os órgãos reguladores não mudaram. Seja lá o que for feito no blockchain, um banco central ainda poderá exigir um papel assinado. Nos Estados Unidos, agências reguladoras, como a SEC (responsável pelo mercado de capitais), começam a reprimir as vendas de tokens, alegando que muitos deles equivalem a ações negociadas em bolsa. Além disso, algumas redes não permitem transações com blockchain em grande escala. Mas esses entraves podem ser negociados ou resolvidos. Pelo seu impacto potencial, o blockchain terá de passar mesmo é por outro tipo de obstáculo, muito maior — uma transformação filosófica, para uma cultura de trabalho e modelos de negócio mais descentralizados, cooperativos e transparentes.

BRF E CARREFOUR: O CAMINHO DA ROÇA

O assunto ficou em segundo plano, diante da suspeita de fraude sanitária levantada pela Operação Carne Fraca em relação à BRF, em março de 2017. Mas a companhia testou ainda no mesmo ano um sistema de rastreamento com potencial para dar um salto de transparência na cadeia produtiva. Criado em parceria com Carrefour e IBM, o projeto Food Tracking registrou em blockchain as etapas do ciclo de vida de um lote de lombo suíno da Sadia, da fazenda ao varejo. Ao escanear um QRCode na embalagem, o consumidor acessava informações como local e data de produção, embalagem e transporte. A companhia não informa os resultados desse teste, mas Ney Santos, vice-presidente de tecnologia da BRF, considera blockchain uma opção viável para atingir um fim ambicioso: “certificar os produtos e garantir a qualidade do campo até o consumidor”. Nada mais urgente.

AXIOM ZEN: NEW KITTIES ON THE BLOCK

A obsessão da internet por gatinhos foi alçada a um novo patamar com o jogo CryptoKitties. Criado pelo estúdio de design canadense Axiom Zen, liderado por Roham Gharegozlou, o game é um dos primeiros em plataforma blockchain. O objetivo é cruzar gatinhos virtuais e obter novos, cada um com características únicas. E colecionar, trocar e vender. O sucesso em dezembro causou lentidão na robusta plataforma Ethereum. Em abril, haviam sido vendidos 350 mil gatinhos, com preço médio de US$ 67. O exemplar mais caro já arrematado alcançou US$ 110 mil — sim, muitos milhares de dólares. O movimento atraiu tubarões do Vale do Silício. Andreessen Horowitz e a Union Square Ventures lideraram uma rodada de investimentos em março, que levantou US$ 12 milhões para a startup.

COMCAST: RELACIONAMENTO ÍNTIMO E DISCRETO

O grupo de mídia Comcast lançou o Blockchain Insights Platform, uma parceria com canais como Channel 4, Disney e Universal. As emissoras pretendem, com blockchain, refinar o foco dos anúncios e medir seu grau de sucesso. O sistema permite o uso de dados dos espectadores para dirigir anúncios, de forma mais transparente que a habitual, entre serviços de internet e aplicativos. “Essa abordagem dá eficiência à propaganda e protege melhor os dados do consumidor”, diz Marcien Jenckes, presidente de publicidade da Comcast. O braço de investimentos do grupo, Comcast Ventures, criou a MState, uma aceleradora de startups de blockchain. Gil Beyda, diretor da Comcast Ventures, conta que entre os projetos em desenvolvimento com blockchain há um programa de fidelidade e um dispositivo de acesso à internet.

DORAE: FIO DA MEADA

Cadeias globais de suprimentos são longas e difíceis de monitorar. Devastação ambiental, trabalho infantil e financiamento de conflitos são comuns na extração de metais nobres, usados em equipamentos eletrônicos. Uma startup californiana testa um sistema para dar mais transparência ao mercado. Fundada pela americana Aba Schubert e pelo português Ricardo Santos Silva, a Dorae registra em blockchain todas as etapas de produção, transformação e trânsito das matérias-primas. Para saber o histórico dos materiais, empresas envolvidas podem comprar tokens da Dorae e usá-los para pagar por consultas ao sistema. O projeto piloto vai ocorrer em minas de cobalto na República Democrática do Congo. A iniciativa tem o aval do governo local, interessado em evitar sonegação fiscal.

LATHAM & WATKINS: A LIGA DA JUSTIÇA

Segundo maior escritório de advocacia do mundo, o Latham & Watkins (L&W) entrou para o grupo de trabalho do setor criado pela plataforma de blockchain Enterprise Ethereum Alliance. Ao lado de 13 entidades, como bancos e universidades, o L&W vai desenvolver, até o fim do ano, um padrão de ferramentas para o universo da Justiça. A demanda é grande: das cem maiores firmas de advogados no mundo, 25% associaram-se à Ethereum. Querem se preparar para fazer contratos inteligentes (leia mais a partir da página 74). A primeira venda de apartamento combinada por blockchain ocorreu em novembro, na Ucrânia. Nos Estados Unidos, o Arizona aprovou uma lei para reconhecer a legalidade de contratos com blockchain, e Vermont passou a aceitar registros de blockchain como evidência em investigações.

OWL DOCS: ASSINATURA DIGITAL SEM IMPRESSÃO

Os ritos de governança de uma empresa costumam vir acompanhados de burocracia. Fluxo de assinaturas, de uma simples ata de reunião a complexos contratos de crédito, precisam passar por várias pessoas e podem demorar dias até ficar prontos. Contratos inteligentes, porém, prometem simplificar e reduzir custos. O processo funciona com uma chave digital que valida documentos eletrônicos e gera provas de existência. Uma das empresas que prestam o serviço no Brasil é a Owl Docs. Fundada no final de 2015 por Bruno Kenji e Silvia Valadares, a startup desenvolveu uma plataforma de gestão de documentos corporativos com assinatura eletrônica em blockchain, que registra datas e o horário legal do Brasil. Em junho, a empresa vai lançar a Owl Docs Sign, com foco em contratos de câmbio.

FINKA: UM “TOKEN” QUE PASTA

Blockchain pode ser usado para dar identidade a um bem, como um automóvel. Que tal usá-lo para identificar animais? O empresário boliviano Carlos Fernandez Mazzi garante que dá. Ele vai manter vacas de verdade numa fazenda na Bolívia. Cada vaca vai ser associada a um token. Por certa quantia, o usuário compra um token e vira dono de uma vaca. Brasileiros que acompanhavam finanças nos anos 90 podem se arrepiar com o tema ao lembrar da promessa de investimento na Boi Gordo — no fim das contas, era um golpe no estilo pirâmide. Mas blockchain pode dar segurança a transações. Fernandez explica que a compra vai ser registrada com a nova tecnologia e o dono da vaca vai ter direito a um seguro, caso o animal morra ou seja roubado. “Vou colocar um chip eletrônico em cada vaca para medir o peso. Em dois anos, vamos dividir o lucro”, diz.

DAIMLER: DIREÇÃO LUCRATIVA

A Daimler, fabricante alemã de carros e caminhões, dona da Mercedes-Benz, lançou em fevereiro uma criptomoeda própria — Mobicoin — para recompensar motoristas que dirigirem de maneira responsável. Quinhentos motoristas foram recrutados para a experiência. Ligado ao sistema do carro, o aplicativo para celular Mobicoin coleta informações (como aceleração, frenagem e velocidade) e transmite os dados para a Daimler. Os motoristas que conduzem de forma mais segura são recompensados. A Mobicoin pode ser usada para comprar, por exemplo, ingressos VIP para competições esportivas. Em junho, a Daimler testou blockchain numa operação financeira: levantou € 100 milhões com quatro bancos por meio da emissão de títulos. Toda a transação — do contrato à confirmação do pagamento de juros — foi feita com blockchain.

BRON.TECH: MEU PERFIL, MINHA GRANA

Dados pessoais, hoje, valem muito dinheiro — mas não para seus donos. Quem ganha com os dados são companhias de internet, como Google e Facebook. Com base em informações sobre o usuário, essas empresas ajudam anunciantes a direcionar publicidade. A empreendedora macedônica Emma Poposka oferece uma alternativa. Emma fundou em Sydney, Austrália, a startup Bron.tech. O negócio, ainda em estágio inicial, propõe-se a permitir que o indivíduo crie uma “carteira digital” com suas informações pessoais, protegida por blockchain. Se o cidadão autorizar, a Bron.tech vai extrair insights do conjunto de dados e vender no mercado. A startup fatura e remunera o dono dos dados. A remuneração virá em brons, tokens que podem ser trocados por produtos e serviços numa rede credenciada.

UBS: AÇÃO EM BLOCO

Os grandes bancos se unem para testar a tecnologia blockchain, temendo ser atropelados pela revolução. O UBS, maior banco da Suíça, lançou uma “Iniciativa blockchain” em seu laboratório de inovação em Londres. Concebeu uma criptomoeda — Utility Settlement Coin (USC) — somente para uso em transações entre bancos. Além de simplificar e reduzir custos, a USC pode abrir caminho para o uso de criptomoedas pelos bancos centrais. A iniciativa inclui Barclays, Crédit Suisse, Deutsche Bank e HSBC. Em outro projeto, chamado Batavia, UBS e IBM criaram uma plataforma global de blockchain para simplificar as transações financeiras na venda de mercadorias. As companhias testaram a plataforma com a venda de carros alemães para a Espanha e de têxteis austríacos para a produção de móveis no mesmo país.

SANTANDER: SEM ESCALAS

O banco espanhol Santander lançou em abril um serviço gratuito de transferência internacional de valores equivalentes a até US$ 3 mil, baseado em blockchain. A transferência leva menos de duas horas, se acontecer em horário de expediente bancário do país de destino. Pelo método tradicional, levava ao menos dois dias. Por ora, o serviço só vale para clientes do banco no Brasil, Espanha, Polônia e Reino Unido. E os brasileiros só podem enviar dinheiro para o Reino Unido. A lista deve crescer em breve. “Temos a meta de oferecer transferências instantâneas entre vários mercados até meados deste ano”, disse a presidente mundial do Grupo, Ana Botín, sobre o One Pay FX, como é chamado o serviço. “É a primeira de muitas potenciais aplicações do blockchain”, afirmou a empresária. Concorrentes do Santander no Brasil, como Itaú e Bradesco, estudam a tecnologia.

DINASTY: COM UM PÉ NO REAL

A dupla de brasileiros Eduardo Carvalho e Fabio Asdurian avança para lançar a primeira criptomoeda do mundo com lastro no mercado imobiliário, o DYN. O lançamento, afirmam, depende do aval do governo da Suíça, para onde transferiram a sede da Dynasty, a startup que fundaram e dirigem (o escritório fica em Zug, no Criptovale). A ideia é fazer uma oferta inicial da moeda ainda neste ano e levantar na primeira fase US$ 150 milhões. Pelo plano, o dinheiro vai ser investido na criação de um fundo de US$ 500 milhões com imóveis comerciais nas principais cidades do mundo. A expectativa é que o valor de mercado das propriedades balize o preço do DYN, que terá 21 milhões de unidades. Os compradores também serão remunerados pelos aluguéis.

ONU: CIDADANIA SEM ESTADO

O Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês) da ONU está trocando os antigos vales-refeição pelo Building Blocks — um sistema de blockchain derivado da plataforma Ethereum. A primeira experiência ocorre no campo de refugiados em Azraq, na Jordânia. Cerca de 10 mil refugiados sírios pagam suas compras no supermercado sem dinheiro nem cartão — a leitura da íris dá acesso à “conta corrente”. Créditos e débitos acrescentam informações ao código criptografado. Bernhard Kowatsch, chefe do laboratório de inovações da WFP, afirma que o Building Blocks reduziu em 98% os gastos com taxas bancárias. O blockchain previne desvio de verba e assaltos — habituais, numa área onde o Estado é ausente. Os refugiados ganham autonomia.

BERKELEY: OFERTA INICIAL COMUNITÁRIA

A prefeitura de Berkeley, na Califórnia (hoje uma extensão do Vale do Silício), planeja lançar uma criptomoeda para bancar projetos específicos de infraestrutura, como habitação para baixa renda. Há obstáculos políticos, legais e regulatórios, mas o potencial é imenso. O plano é que a moeda tenha características de títulos de dívida pública — pagamento regular de juros e, no vencimento, do valor principal —, mas com diferenças fundamentais. Com blockchain, é possível dispensar intermediários financeiros, acelerar o processo e reduzir custos da captação. Emitir um título de dívida pública tradicional custa tanto que inviabiliza seu uso em projetos menores. Ben Bartlett, do conselho municipal de Berkeley, chama o modelo de “Oferta Inicial de Comunidade”, em vez de Oferta Inicial de Moeda (ambas têm a sigla ICO, em inglês).

FONTE: ÉPOCA