A batalha mundial dos subsídios para painéis solares

Como a China desbancou os países ocidentais para se tornar o maior produtor mundial de painéis solares? Os EUA foram os pioneiros na tecnologia solar, graças à demanda do seu programa espacial. Muito mais cara do que os combustíveis fósseis, ela só fazia sentido onde não era possível utilizar outra opção, como nos satélites encomendados pela NASA. Na virada do século, preocupações com a segurança energética, o desastre de Chernobyl e o aumento do movimento ambiental na Alemanha levaram à implementação de um subsídio que garantia preços altos a produtores de energia solar. Em 2009, 49% das instalações solares no mundo eram alemãs. Nos EUA, George W. Bush passaria a ser o primeiro presidente americano a prometer que os EUA se tornariam uma superpotência em energia limpa. Nesse contexto, incentivos foram desenhados para atrair empresas para a produção de painéis solares. No Oregon, por exemplo, a alemã SolarWorld recebeu isenções fiscais estaduais equivalentes a 35% dos custos do projeto. Faculdades locais lançaram programas para treinar trabalhadores na produção de painéis. Lei criada sob Bush previa garantia estatal para empréstimos ao setor. Mais tarde, Obama prometeu 5 milhões de empregos “verdes”. Isenções fiscais de 30% do custo das plantas foram concedidos para fabricantes de energia limpa. O programa de garantia estatal saiu do papel e viabilizou capital inicial para tecnologias avançadas em energia.

Na Ásia, a China utilizava ainda mais ferramentas: empréstimos subsidiados, isenções fiscais, compras governamentais, eletricidade e terrenos a preços baixos, conteúdo local. Resultado: sobrecapacidade, aprendizado produtivo e inundação de painéis chineses a preços baixos. Em 2010, na sede da Solyndra, um confiante Obama afirmou que os EUA sairiam de 5% da produção de painéis solares para 10% nos anos seguintes. Só que a própria Solyndra entraria em falência um ano depois, dando calote de US$ 535 milhões ao governo americano. Sem muita saída, Obama apelou para tarifas de até 249% sobre as importações de painéis chineses em 2012. Na Europa, medidas anti-subsídios e antidumping foram aplicadas entre 2011 e 2014. A China reagiu iniciando disputa na OMC contra as medidas europeias e retaliando diretamente os EUA com tarifas de 57% sobre o políssilício, um insumo chave para a produção de painéis solares. Os EUA, que produziam 50% dos polissilícios mundiais, hoje produzem apenas 5%. Até Trump, que não era um conhecido defensor de energias renováveis, atuou para proteger o setor, com cotas de importação e tarifas de 30%. Não adiantou muito. Hoje, apenas 14% dos empregos ligados ao setor solar estão na indústria. E produzem apenas peças mais simples. Biden, além do megapacote de infraestrutura “verde”, pretende ressuscitar as isenções fiscais de 30% e fazer uso de compras governamentais para estimular a indústria nacional. Não será nada fácil. A China hoje produz 80% do polissilício mundial e quase 98% dos wafers e lingotes. Sete dos dez maiores produtores de painéis são chineses. Metade do polissilício mundial agora é produzido em Xinjiang. O governo Biden não descarta sanções a produtos solares originários dessa província, alegando abuso de direitos humanos da minoria Uigur. A China afirma que é pura desculpa do Ocidente para proteger suas empresas. Analistas americanos ainda não jogaram a toalha. Acreditam que o país pode desenvolver a próxima geração da tecnologia solar, ultrapassando novamente os chineses. Porém, para isso, dizem que os esforços terão que ser maiores e mais duradouros do que foram.

https://www.economist.com/technology-quarterly/2021/01/07/how-governments-spurred-the-rise-of-solar-power

https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-06-04/solar-jobs-2021-how-china-beat-u-s-to-become-world-s-solar-champion

https://www.sciencealert.com/6-of-the-most-amazing-solar-farms-in-the-world

https://www.theatlantic.com/science/archive/2021/06/why-the-us-doesnt-really-make-solar-panels-anymore-industrial-policy/619213/

 

 

Um conto chinês

Luiz Gonzaga Belluzzo

Valor  01/08/2017

Homenagem a Ricardo Darin e ao cinema argentino 

O grupo chinês AKCOMER foi umas das empresas visitadas por uma delegação de professores e alunos brasileiros em julho deste ano. Fundada em 2006, a empresa é uma das maiores produtoras de painéis fotovoltaicos da China. Surgiu de uma joint venture entre a gigante japonesa Sumitomo e o gerente de uma pequena empresa chinesa de esquadrias de alumínio.

Zou Chenghui, o executivo, era dotado de vigoroso espírito empreendedor: diante da relutância de seu antigo contratante em aceitar o acordo proposto pela Sumitomo, o gerente visionário encampou o negócio financiado a crédito barato dos bancos estatais chineses. Estimulada por uma demanda em franco crescimento na Europa, e apoiada pela eficientíssima logística de apoio às exportações, a jovem empresa chinesa, em meia década, se tornou grande produtora de painéis para energia solar. Na tradição estratégica do Império do Meio, a participação da Sumitomo foi adquirida pelo sócio chinês.

A partir de 2012 a demanda europeia começa a cair, desatando uma onda global de excesso de capacidade para os produtores de equipamentos fotovoltaicos. Mas não na China. Agindo rápido e, mais uma vez ditando o ritmo da taxa de investimento no país, o governo chinês lançou um ambicioso programa de investimentos em energia solar.

Em 2012 a China tinha apenas 7 GW de capacidade instalada em energia fotovoltaica. Ao final de 2016 o gigante asiático tinha decuplicado esta capacidade para mais de 78 GW instalados, cerca de ¼ do total global. A China assumiu a liderança mundial nessa modalidade de energia renovável. Através de empresas estatais de energia, o Estado garantiu a compra de equipamentos solares produzidos na China (conteúdo local).

A AKCOMER, entre outras tantas empresas chinesas, continuou crescendo em ritmo acelerado. E foi além: desde 2012 verticalizou seus negócios e se tornou também uma das três maiores operadoras privadas de energia solar na China. De esquadrias de alumínio para a operação de grandes plantas de energia solar, passando pela produção de equipamentos fotovoltaicos. Essa trajetória de sucesso seria impensável sem o espírito empreendedor de seu fundador. E seria impossível sem o apoio decisivo do Estado chinês. Exemplo de sinergia (palavra horrível).

Ainda uma vez, o Estado assumiu a responsabilidade de oferecer maior segurança para o cálculo privado – regulando, investindo, financiando, comprando. Escolheu apoiar empresas de grande potencial inovador, que continuam a crescer, dar lucros para os empreendedores e, mais importante, gerar empregos para sua população. Este tipo de escolha parece bem sucedida e até natural, se aceitarmos que entre as “naturezas” do Estado no capitalismo está o impulso para promover o desenvolvimento da sociedade, aí incluídas as empresas, os empresários e os empregados.

Em sua edição de 22 de julho, a revista The Economist publicou um artigo com o título de “Seleção Antinatural. ” A matéria trata do “modo chinês” de articulação entre o público e o privado. A revista lamenta o programa em curso de fusões das empresas estatais (SOEs): “a agência do governo organizou a fusão de portos, ferrovias, produtores de equipamentos e empresas de navegação… Essas ações parecem destinadas a promover campeões nacionais.” O presidente Xi Jinping ficou muito tocado: lançou um satélite quântico com transmissão imediata de imagens e informações, sem delay.

O desenvolvimento econômico chinês é um caso explícito de simbiose entre o Estado e a iniciativa privada. Desde os anos 1980, e sobretudo a partir dos anos 1990, há uma clara relação entre um Estado que rege um amplo processo de socialização do investimento e uma classe de jovens empreendedores dotados de um inabalável animal spirit.

O Estado planeja, financia em condições adequadas, produz insumos básicos com preços baixíssimos e exerce invejável poder de compra. Na coordenação entre o Estado e o setor privado está incluída a “destruição criativa” da capacidade excedente e obsoleta mediante reorganizações e consolidações empresariais, com o propósito de incrementar a “produtividade” do capital.

A iniciativa privada dá vazão a uma voraz sede de acumulação de capital através de investimentos em ativos tecnológicos, produtivos e comerciais. O “modelo” chinês remete mais a Keynes e Schumpeter do que a Marx – ou aos três, para aqueles que se dedicam à estudar contribuição desses projetos intelectuais para a compreensão do mercado capitalista. Não há espaço para o rentista, devidamente desestimulado a canalizar sua sede de lucros para investimentos socialmente estéreis. Na China o rentier não precisa de eutanásia. Títulos públicos têm remuneração discreta. Os mercados de capitais são regulados para evitar supervalorizações (e super depreciações) de ativos. O controle do fluxo de capitais especulativos garante a independência da política monetária e a estabilidade do yuan. As verdadeiras oportunidades de lucros extraordinários estão nos investimentos que geram inovações, que adensam a cadeia produtiva, que criam empregos. Não há espaço para investimentos socialmente estéreis.

Em seu discurso na Conferência Nacional sobre a Atividade Financeira, realizada nos dias 14 e 15 de julho de 2017, o presidente Xi Jinping advertiu: “A finança pertence ao coração da competitividade do país, a segurança financeira está no centro da segurança nacional e deve se constituir no fundamento do desenvolvimento econômico e social”. Assim funciona o mercado do capitalismo chinês.

Realizando sua natureza “antinatural”, o Estado não intervém como um intruso indesejável, mas é um partícipe estratégico que apoia o investimento privado para reduzir riscos e incerteza. Em sua obra maior, Civilização Material e Capitalismo, o historiador Fernand Braudel escreveu: “O erro mais grave (dos economistas) é sustentar que o capitalismo é um sistema econômico…Não devemos nos enganar, o Estado e o Capital são companheiros inseparáveis, ontem como hoje”.

FONTE: https://www.paulogala.com.br/a-batalha-mundial-dos-subsidios-para-paineis-solares/