Banco Votorantim abraça fintechs para se modernizar

Líder em financiamento de carros usados, o Banco Votorantim aposta na parceria com fintechs para se modernizar, aproximar-se dos clientes mais jovens e diversificar seus serviços

Foram quase 80 horas ininterruptas de trabalho. Sexta-feira, 4 de maio. Naquela tarde, a Neon Pagamentos se viu na urgência de encontrar um novo parceiro. O banco responsável pela custódia e movimentação das contas da fintech tivera a liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central. Uma dezena de instituições financeiras ofereceram parceria. A escolhida foi o Banco Votorantim (BV). “No meio da adrenalina, vimos que o BV possuía características importantes naquele momento. Além da credibilidade, precisávamos de um banco com uma visão atual de tecnologia”, conta Pedro Conrade, CEO da startup. “Se os sistemas internos do banco não estivessem desenvolvidos, seria muito mais difícil fazer a migração.” Batido o martelo, era preciso integrar os sistemas da Neon com os do BV; preparar a documentação legal; planejar os termos da comunicação interna, com os clientes e a imprensa… “Para que os clientes se sentissem seguros, era importante divulgar a parceria já na segunda-feira de manhã”, diz Gabriel Ferreira, diretor executivo de varejo, digital e estratégia corporativa do BV, um dos responsáveis por alinhavar a parceria. Os próximos dias e noites seriam longos.

A equipe responsável por costurar o acordo dividiu-se entre o recém-inaugurado BV Lab; o andar das salas de reunião, na sede do banco, e o escritório da Neon. O que se viu a partir dali foi uma verdadeira operação de guerra. Uns ajudavam os outros para vencer o sono, a fome e a exaustão.

– Vá tirar um cochilo. Você está há 12 horas sem comer, quer um lanche? Café? Água?
Se Conrade dormiu três horas naquele final de semana, foi muito — e o pouco que descansou, o fez em um sofá ou no banco traseiro do carro. “Testamos nossos limites”, lembra ele. A alimentação foi à base de pizzas, sanduíches, esfihas e alguns doces. A cada etapa cumprida, uma comemoração. Naquela mesma semana, os correntistas da Neon conseguiam novamente fazer transferências. Dez dias depois, a fintech permitia a abertura de novas contas.

A operação BV-Neon é, até agora, a iniciativa mais pujante do banco rumo à modernização. O objetivo é mudar a percepção do público sobre o banco, fortalecer seus produtos e reduzir a dependência do financiamento de veículos — responsável por metade da carteira de crédito da instituição. O caso Neon foi emblemático não só para o aprendizado interno, mas também para mostrar ao mercado os esforços do BV em busca da transformação digital. Com o anúncio da parceria, o banco foi procurado por outras fintechs para novos acordos de colaboração. “Para viabilizar as propostas das startups, damos a elas acesso à estrutura sólida da qual já dispomos”, diz Ferreira. Com esse movimento, o BV espera chamar a atenção de clientes mais jovens, tradicionalmente mais afeitos ao universo da alta tecnologia. Para a startup, a vantagem é não competir diretamente com a instituição financeira. “Os produtos da Neon são complementares aos que temos hoje”, explica Elcio dos Santos, presidente do banco. “Vamos oferecer a plataforma digital deles aos nossos clientes.”

Gabriel Ferreira, diretor executivo de varejo, digital e estratégia corporativa (Foto: Claus Lehmann)

Outro passo importante em direção à inovação é a parceria com a fintech americana Olivia, a ser fechada em breve. Criado por dois brasileiros e um indiano, o aplicativo usa inteligência artificial (IA) para gerenciar as finanças de seus usuários. Lançada em 2017, a fintech opera apenas nos Estados Unidos, onde já se associou a 15 mil instituições. A expectativa é a de usar a IA da Olivia no aplicativo de cartão de crédito do BV. Além do acordo operacional, a fintech recebeu investimento do banco, por meio do fundo BR Startups.

As boas-novas chegam depois de o banco passar por um período traumático. Fundada em 1991, controlada pelo Banco do Brasil (BB) e pela família Ermírio de Moraes, entre 2011 e 2013 a instituição amargou prejuízos bilionários — R$ 2 bilhões, apenas em 2012, o pior ano. Aos poucos, o BV vem se reerguendo. Foram necessárias medidas drásticas de redução de custos e corte de pessoal — os 9,6 mil funcionários de sete anos atrás, hoje são 4 mil. Simultaneamente ao processo de recuperação, o banco iniciou a transformação digital. “Tivemos de lidar com a falta de dinheiro”, conta André Duarte, diretor executivo de riscos e data science. “Aprendemos muito.” Beneficiado também pelo aquecimento do setor de financiamento automotivo, hoje o BV opera no azul. No primeiro semestre, o lucro somou R$ 511 milhões, alta de 87,5% em comparação ao mesmo período de 2017. “Os primeiros sinais do processo [de transformação digital] nos resultados financeiros vêm mais da eficiência que ganhamos com digitalização e uso de dados do que propriamente de uma linha de produtos”, diz Elcio dos Santos.

Os diretores Marcelo Andrade Clara e André Duarte comemoram a modernização do banco Votorantim (Foto: Claus Lehmann)

Em um passeio pelo BV, os esforços rumo ao futuro são evidentes nas mesas compartilhadas, paredes cobertas por post-its coloridos, colarinhos sem gravata, salas de jogos cheias. As equipes trabalham divididas em squads, com profissionais de diversas áreas. Inovação, porém, não se conquista apenas com ambientes moderninhos. É preciso construir uma nova cultura, que resulte em novas formas de trabalhar, novos processos e serviços. Instituições médias, do porte do BV, são as que correm mais risco diante do avanço das fintechs, alerta Daniel Domeneghetti, CEO da E-Consulting. Ao que André Volker, analista da consultoria A.T. Kearney, completa: “Algumas fintechs começam a se posicionar para agregar posições bancárias, o que reduz a barreira para abrir contas e usar produtos de mais bancos.”

De modo a reforçar a atuação do BV junto a startups, em agosto foi instituído o cargo de superintendente de novos negócios e estratégia corporativa. Moises Herszenhorn é seu titular. Tendo passado pela McKinsey, com experiência em fundos de venture capital, ele chega ao banco com a missão de avaliar os investimentos nas empresas de tecnologia, além de buscar novas fontes de receita para o banco. Outro braço da instituição criado para reforçar a área de inovação é o BV Lab, inaugurado em março. Seus 19 funcionários experimentam novas tecnologias, pensam na jornada do usuário e buscam startups que possam trazer soluções para o banco. “Nem tudo o que fazemos aqui vai dar certo, mas precisamos dessa liberdade”, diz Amauri Zerillo, head do BV Lab.

Graças a um projeto sobre blockchain, Fernanda Sales saiu do setor de análise de risco e foi para o laboratório de novas tecnologias  (Foto: Claus Lehmann)

Diferentemente do Itaú, com o Cubo, e do Bradesco, com o Habitat, o BV não levou seu hub de empreendedorismo para um espaço fora de sua sede. O BV Lab está no mesmo prédio da instituição. Por causa da limitação de espaço e de recursos, as startups escolhidas não se tornam residentes. Quando ficam por lá, permanecem apenas o tempo necessário para fazer algumas provas de conceito ou integrar sua tecnologia com a do banco, como foi o caso da Neon. “Essa configuração faz sentido com startups mais maduras, que já estão operando e que têm uma base consolidada de clientes”, comenta Roy Martelanc, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA).

Na corrida pela digitalização, a busca por talentos é acirrada. A instituição precisou repensar o processo de contratação. Com divulgação nas redes sociais e no site, o BV recebeu cerca de 800 currículos para 20 vagas abertas. Depois de uma triagem inicial, entrevistas individuais e pitches de projetos, os selecionados foram chamados para uma conversa com a diretoria. “Precisamos mostrar que aqui eles teriam liberdade para criar”, diz Ana Paula Tarcia, superintendente de RH. O resultado das conversas, na avaliação de Marcelo Andrade Clara, diretor de tecnologia, foi animador: “Estávamos preparados para ouvir vários ‘nãos’, mas todos aceitaram.” O processo de contratação foi mais rápido — um mês.

No programa Inovajunto, fruto de uma associação com o BB, o BV estimula os funcionários, eles próprios, a empreender. Então com 25 anos, Fernanda Sales foi a escolhida de 2017. Seu projeto de blockchain ganhou, inclusive do de seu gestor.  A jovem montou uma equipe; passou um mês no BB, em Brasília, e três meses na Califórnia, em uma incubadora do Vale do Silício. Apesar da aposta na ideia de Fernanda, o banco, no fim, optou por não usá-la. Para ela, não foi tempo perdido. Em março, Fernanda saiu do setor de análise de risco e passou a integrar o time do BV Lab. Se  os esforços do BV em direção à inovação vão funcionar, só o tempo dirá. O futuro, sempre ele.

FONTE: ÉPOCA NEGÓCIOS