Bactérias encontradas na Antártida podem ser usadas em produção de iogurte e produtos de limpeza, aponta USP Ribeirão

Pesquisa desenvolvida em parceria com universidade do Uruguai descobriu aplicações médicas, nutricionais e ambientais para organismos que não são patogênicos. Uso na biotecnologia pode garantir mais sustentabilidade na indústria.

Pesquisadores da USP de Ribeirão Preto analisam bactérias encontradas há dez anos na Antártida — Foto: Alamy

Pesquisadores da USP de Ribeirão Preto (SP) descobriram aplicações médicas, nutricionais e ambientais de duas bactérias encontradas na Antártida. Dentre os possíveis usos desses organismos estão a produção de alimentos refrigerados como iogurtes e sorvetes, produtos de limpeza, além da biorremediação, ou seja, a descontaminação de ambientes frios poluídos.

Adaptadas a temperaturas extremas do continente mais frio da Terra, essas bactérias são chamadas de psicrofílicas e possuem enzimas que podem ser úteis na biotecnologia.

Elas foram descobertas há dez anos por pesquisadores do Instituto de Investigaciones Biológicas Clemente Estable (IIBCE) de Montevidéu, no Uruguai, mas recentemente foram isoladas do solo para serem estudadas a fundo.

“Nós aproveitamos essas características para produzir, de forma sustentável, diversos produtos que vão melhorar nosso dia a dia”, resume a professora María Eugenia Guazzaroni, professora do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP)

Bactérias úteis e estáveis

Os pesquisadores da USP sequenciaram os genes dessas bactérias e constataram que elas não são patôgenicas, ou sejam, não provocam doenças.

“Elas não tem nenhum gene de virulência, por isso trabalhamos com elas. Elas conseguem fazer um monte de coisas boas”, garante a professora Maria Eugênia.

Apesar de as bactérias estarem acostumadas a condições extremas da Antártida, onde as temperaturas variam entre -10°C e -60°C no inverno, e de -5 °C a -20 °C no verão, Maria Eugênia explica que o transporte delas para o Uruguai e para o Brasil foi relativamente simples, porque elas sobrevivem muito bem em temperaturas mais amenas, em torno dos 25ºC.

“Nós utilizamos algumas soluções para que elas ficassem estáveis, vivas, mas sem se multiplicar, de tal forma que não existem mutações nem nada. Mas ela se transporta de uma forma bem tranquila”, explica a professora.

De proteção contra fungos a redução do efeito estufa

A professora explica que as enzimas dessas bactérias podem ser utilizadas para fomentar o crescimento das plantas e protegê-las contra fungos e insetos, por exemplo.

Além disso, elas também são capazes de degradar diversos compostos contaminantes de maneira mais eficiente em ambientes frios, onde essas reações químicas costumam ser mais difíceis.

Por conta dessas enzimas adaptadas ao frio, o seu uso é mais econômico e sustentável em relação às produzidas em climas menos rigorosos. Isso porque, como elas não dependem do aquecimento, elas não geram produtos tóxicos e também não dependem de combustíveis fósseis, como o petróleo.

Por isso, essas bactérias são uma grande aposta para a bioeconomia, que consiste em um modelo econômico voltado para a utilização de recursos biológicos como plantas, animais, bactérias, fungos e outros de uma forma sustentável e mais eficiente do que o processo químico utilizado atualmente pelas indústrias.

O uso de bactérias adaptadas ao frio podem ajudar a reduzir a emissão do efeito estufa, a conservar a biodiversidade e, consequentemente, colaborar para a preservação de espécies.

“Vamos produzir alimento, energia e outros produtos de uma forma sustentável, sem deixar doente o nosso ambiente, a nossa Terra”, diz a professora.

Alimentos, produtos de limpeza, combate à poluição

Por meio da edição gênica, os pesquisadores conseguiram utilizar essas enzimas na biotecnologia para produzir alimentos refrigerados, aditivar produtos de limpeza e também em processos de biorremediação.

Na produção de alimentos refrigerados, as enzimas aumentam a qualidade de produtos como iogurte e sorvete, além de deixá-los com as características mais acentuadas. “Elas vão deixar esse alimento com uma textura mais gostosa”, garante Maria Eugênia.

Quando usadas como aditivos em detergentes ou em sabão de lavar roupa, elas melhoram a eficácia desses produtos na remoção de manchas e sujeiras. Como funcionam em temperaturas mais baixas, elas economizam energia no ciclo de lavagem em água fria.

A limpeza promovida pelas bactérias é feita de forma mais suave, portanto, elas também reduzem o desgate das roupas na lavagem, prolongando a vida útil dos tecidos. Essa é uma vantagem que pode ser útil especialmente para ambientes hospitalares.

“Pensa em um hospital, na quantidade de fluídos corporais que tem os lençóis e as roupas que médicos e enfermeiros utilizam: sangue, vômito. As enzimas vão quebrar e limpar essa sujeira”, explica Maria Eugênia.

O uso também oferece uma vantagem energética já que, para esses tipos de limpeza, geralmente é necessário usar máquinas que dependem de aquecimento.

Por fim, a professora e pesquisadora também explica que as bactérias podem ser utilizadas para a biorremediação, ou seja, para descontaminar ambientes frios poluídos, como a própria Antártida.

Segundo Maria Eugênia, o uso dessas enzimas na indústria já é uma realidade, embora seja mais comum na Europa do que no Brasil por questão de investimento.

Os pesquisadores agoram comparam as descobertas com produtos que já existem no mercado. Os resultados são promissores.

“O cientista está sempre buscando melhorar a eficiência do que já existe. Então, mesmo que já existam enzimas no mercado sendo utilizadas para esse fim, nós sempre estamos comparando com coisas novas que descobrimos”, afirma.

FONTE: https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2023/04/17/bacterias-encontradas-na-antartida-podem-ser-usadas-em-producao-de-iogurte-e-produtos-de-limpeza-aponta-usp-ribeirao.ghtml