Audição para palestrante de inovação

Candidato entra no teatro e vê, sentados, o CEO e o CFO da empresa contratante.
– Oi.
– Oi, tudo bem? Seu nome?
– Marcos.
– Você é palestrante de inovação?
– Sim.
– Legal. Pode começar, Marcos.
– “O mundo mudou. O Uber transformou a indústria do transporte. O Airbnb causou…”
– Obrigado, Marcos. Esse conteúdo a gente ouve todos os dias. Não é isso que queremos no nosso evento. Não leve a mal. Próximo?

– Oi.
– Olá.
– Você é?
– Joana.
– Legal, Joana. Quando quiser.
– “O mundo mudou. Esse slide mostra a diferença entre a Kodak e o Instagram. Como vocês podem ver…”
– Obrigado, Joana. Essa aí nós também já conhecemos. Agradecemos seu tempo. Próximo?

***

– Tudo bem?
– Tudo ótimo. Seu nome?
– Jonas.
– Jonas, diga lá.
– “O mundo mudou. Acesso é maior que posse. Agora, você não quer o DVD, quer o Netflix…”
– Desculpa interromper, Jonas. Mas não é o que estamos buscando. Próximo?

***

– Opa.
– Seu nome é?
– Jandir.
– Jandir, o palco é seu.
– “O mundo mudou. Vocês sabiam que já é possível imprimir casas em 3D?”
– Já. E não é o nosso foco. Sem ofensas, mas para uma palestra de inovação, esse papo é meio batido. Nada pessoal, viu? Próximo?

– Boa tarde.
– Você é?
– Manu.
– Legal, Manu. O que nos conta?
– “Quero falar da Economia Quântica, que seria a evolução das DAOs. Nesse mundo, todos serão freelancers, microworkers, peers. Só haverá gig economy. Portanto, trocaremos a hiperespecialização pela multidisciplinariedade. O eixo Y pelo X. A empresa não terá sócios, apenas iniciadores – que abandonam a empresa e a deixam como legado. A camada central da organização é toda auto gerida via tecnologia (smart contracts). O código, escrito pelos iniciadores, é open source. Portanto, os peers podem criar forks, que se transformam em novas empresas. A remuneração é via um token próprio que alimenta essa microeconomia. Tudo sob a lógica da abundância. E quem não tiver como operar nesse sistema, os menos privilegiados, serão acolhidos pela UBI. Isso, que parece futuro, em breve será o presente do trabalho.”

Dez segundos de silêncio.

– Gostaram?

Palmas.

– WOW.
– Seu conteúdo é muito bom. Foi a melhor coisa que ouvimos hoje. Você pode nos dar licença um segundo, para falarmos em particular?
– Claro. Espero que a gente feche. Adoraria palestrar para vocês.
– Ótimo. Cinco minutos e já voltamos a falar.

CEO para o CFO:

– Meio complicada essa última aí, né?
– Tirou as palavras da minha boca.
– Se já dá um trabalhão para entender, imagina aplicar na empresa.
– Ô.
– Porque, você sabe: se falarmos disso, vão nos cobrar.
– E muito.
– Pensando bem, a gente não precisa mudar taaaanto assim, né?
– Não.
– Queremos mudança. Mas não taaaaaaanta mudança.
– Vamos aos poucos. No nosso ritmo.
– Estamos perdendo mercado para o digital, claro. Mas tudo a seu tempo.
– Também acho.
– E, convenhamos: nosso bônus está garantido.
– O 14º. E o 15º. Se bobear, o 16º.
– No fundo, nosso papel não é fazer a transição. É pavimentar a transição para a próxima gestão.
– Falou bonito.
– O que fazemos?
– E se a gente fechasse com a menina da Kodak?

FONTE: ÉPOCA