As tecnologias que as empresas não vão poder ignorar

A realidade mista e aumentada é uma das tendências tecnológicas das empresas apontada num estudo da Deloitte
TIAGO MIRANDA

O gerador de uma barragem está avariado. Antes de chegar ao local, o técnico que vai realizar a reparação já consegue examinar a situação e identificar problemas: coloca os óculos de realidade aumentada e, à sua frente, aparece aquele gerador em três dimensões, bem como o seu histórico e os alertas de segurança. Quando chega, vai mais preparado do que nunca. Coloca de novo os óculos e, enquanto realiza a reparação, pode contar com a ajuda remota de um colega. Este, através dos óculos, vê exatamente aquilo que o técnico observa no local, dando-lhe sugestões ou desenhando nessa realidade sobreposta para indicar qual o sítio exato no qual o técnico deve atuar.

O exemplo é um projeto-piloto da Microsoft e da IT People para a manutenção de sistemas energéticos da EDP, através dos óculos de realidade mista e aumentada Hololens. A realidade digital — aumentada, virtual, mista, 360 graus ou imersiva — é uma das oito tendências tecnológicas do futuro empresarial, segundo o relatório da Deloitte “Tech Trends 2018 — The symphonic enterprise” ao qual o Expresso teve acesso em primeira mão. Estas são tecnologias que, embora muitas vezes associadas a experiências junto do consumidor, podem também transformar processos e modelos de negócio.

Na manutenção as promessas são muitas — veja-se o exemplo da avaria do gerador ou de um elevador — e trazem novas possibilidades. “Isto traz a oportunidade do Power by the Hour”, realça Hans van Grieken. O diretor de investigação em tecnologia da Deloitte para a Europa, Médio Oriente e África explica que, nesta lógica, “não se vende um elevador, vende-se utilização”, o que permite redefinir contratos, relações entre fornecedores e clientes e até modelos de negócio. Na medicina também surgem novas oportunidades: numa cirurgia, o médico pode posicionar e fixar o modelo 3D da espinal medula de um doente (construído com base em raios-X, ressonâncias magnéticas e outros elementos sobre a sua anatomia) no local exato da sua medula, sabendo com precisão onde deve intervir. Além destas áreas, a disrupção “está a acontecer na manufatura, cadeia de distribuição, retalho, energia, sector automóvel e muitos outros”, sublinha o especialista, dando ainda os exemplos da formação prática e da comunicação remota entre trabalhadores.

A expectativa é que estas tecnologias ganhem cada vez mais relevância: a despesa mundial com produtos de realidade virtual e aumentada subirá de 9,1 mil milhões de dólares (€7,4 mil milhões) em 2017 para 160 mil milhões de dólares (€129 mil milhões) em 2021, segundo a International Data Corp. “Esta tecnologia, que costumava ser muito cara, agora não é”, indica o diretor de investigação tecnológica, referindo que os óculos de realidade aumentada no início custavam €6 mil e agora é possível encontrar alguns a €200. Nos próximos 18 a 24 meses a Deloitte prevê que a realidade digital se torne ainda mais relevante, à medida que mais empresas comecem a testar projetos-piloto ou a acelerar a produção.

OS COLEGAS-ROBÔS

Quando, em 1996/97, Garry Kasparov aceitou a competição de xadrez contra o supercomputador da IBM Deep Blue não pensou que iria perder. O jogador era um dos melhores de sempre: muitos consideravam-no imbatível. Mas o supercomputador, capaz de analisar uma média de 200 milhões de posições por segundo, acabaria por derrotá-lo, intensificando os receios de triunfo das máquinas sobre os humanos. Na verdade, não foi o computador que venceu o humano, mas uma equipa de humanos e um computador.

“As pessoas têm capacidades únicas que, em combinação com os robôs, originam os melhores resultados, particularmente quando existe na base um processo bem definido”, defende a Deloitte, em linha com o World Economic Forum. Mas há quem tenha uma visão mais pessimista. Andrew McAffee, do MIT Sloan, acredita que a disrupção vai trazer perda de emprego, embora compensada pela criação de novos empregos. E Michael Osborne e Carl Frey, da Universidade de Oxford, concluíram em 2013 que 47% dos empregos nos Estados Unidos estavam em risco com a Inteligência Artificial (IA). Apesar de otimista, Hans van Grieken reconhece que alguns empregos podem desaparecer, dando o exemplo de uma empresa que tem desde há cinco anos um robô a apanhar as folhas de tomateiros, substituindo cerca de 15 pessoas. “A diferença entre há cinco anos e hoje é que agora, pela primeira vez, a IA está a atingir os colarinhos brancos [trabalhadores de classe média ou alta].”

O holandês sublinha que o aparecimento de um novo tipo de trabalhador não humano — como os chatbots — deve levar as empresas a reinventar as regras laborais, a apostar na cultura e fluência tecnológica e a redefinir o modelo organizacional para que as funções mais técnicas e automatizadas sejam atribuídas aos robôs, deixando as mais criativas e relacionais para os humanos. “O colega do lado pode efetivamente ser um robô.”

A EMPRESA SINFÓNICA

“Uma orquestra cheia de estrelas pode ser um desastre”, já dizia o maestro alemão Kurt Masur. A ideia é usada pela Deloitte para ilustrar um dos pontos principais deste estudo: sem unidade e harmonia, nada funciona. A realidade digital e cognitiva, a tecnologia na base das critpomoedas (blockchain) e a inteligência artificial, entre outras tecnologias disruptivas, começam a ser usadas de forma integrada para gerar valor nas empresas, negócios, indústrias e sectores. “Juntas, podem redefinir profundamente a forma como o trabalho é realizado ou lançar bases para novos produtos e modelos de negócio”, lê-se no estudo.

A tecnologia está, por isso, cada vez menos nos departamentos de tecnologia da empresa: está na cadeia de valor, no departamento financeiro, nos recursos humanos, em várias unidades do negócio. “Em 2020, o investimento em tecnologia será tão grande no departamento tecnológico de uma empresa como nos outros”, indica o responsável da Deloitte, referindo dados da Gartner. “O que levanta uma questão relevante: o diretor de tecnologia continua a fazer sentido?”

“Toda e qualquer indústria deve começar a questionar-se: o que vão significar para mim estas tecnologias daqui a cinco ou dez anos?”, acredita. Para Hans van Grieken, “é interessante ver que em Espanha, Itália e Portugal a perceção sobre a importância da IA é maior do que no Norte e Centro da Europa”. Os motivos? A configuração da força de trabalho e a inteligência tecnológica. E está Portugal preparado para esta mudança? A Deloitte acredita que sim. Não só pelo facto de se verificar um aumento do investimento das empresas em novas tecnologias, mas também pela relação com as universidades e criação de áreas de inovação destinadas à disrupção de negócios. Mas há mais. “O que considero notável nos portugueses é o facto de serem a versão digital dos exploradores”, aponta. “Lançam-se no mundo, aprendem e depois trazem esse conhecimento para o seu país”. E remata assim: “Portugal tem talento e conhecimento, o que talvez falte um pouco é a apetência para o risco.”

FONTE: EXPRESSO