“As startups olham para onde não estamos olhando”

KELLY GALESI, HEAD OF STARTUP ENGAGEMENT PROGRAM NA BRF (FOTO: DIVULGAÇÃO)

De olho no mercado de startups, a BRF lançou em 2016, um programa para se conectar com as empresas desse segmento. A iniciativa, batizada de b-Connect, surgiu como um movimento interno de colaboradores e rapidamente conquistou os executivos da empresa. “A troca de aprendizado com as startups tem sido muito rica para a companhia”, afirma Kelly Galesi, responsável pelo programa de startups da BRF.

O relacionamento com os pequenos negócios tem ajudado a gigante do setor de alimentos a trazer mais velocidade para seus processos e inovações em diferentes áreas. “Essas empresas podem arriscar mais, o que as torna mais velozes na questão de inovação. Isso traz uma dinâmica diferente para a organização”.

“Foodtech é ainda um ecossistema bem carente no Brasil. Praticamente não existe. A BRF tem hoje um papel de ajudar a fomentar esse setor”, afirma Kelly.

Para entender como funciona o b-Connect, qual o cenário atual do ecossistema de startups no Brasil e de que maneira esses negócios podem ajudar a reinventar as grandes companhias, Época NEGÓCIOSconversou com Kelly Galesi. Confira a seguir:

Como surgiu o b-Connect
Surgiu em meados de 2016 como um movimento de colaboradores que acreditavam que era importante a BRF olhar para as startups. Essas empresas estavam começando a lançar soluções e olhavam para lugares que a gente não estava realmente olhando. Recebemos um desafio da liderança para montar um time, organizar e trazer uma proposta de atuação com esse mundo das startups. Em 100 dias, teríamos que apresentar o resultado e mostrar que isso era uma frente que poderia ser estratégica dentro da companhia. Culminou em um evento em que conseguimos engajar todas as lideranças, incluindo CEO e VPs, para assistirem aos pitchs das startups que selecionamos como finalistas.

Como funciona o programa? Quem pode participar? 
Atuamos ao longo de toda a cadeia de alimentação, procurando soluções inovadoras desde o campo, passando pela indústria e distribuição, até chegar ao consumidor. Olhamos o momento da startup, se a solução é inovadora para nossa cadeia e qual seu potencial. É importante também pensar globalmente, pois temos produtos e operações em 150 países. Começamos focando no Brasil, mas já estamos olhando para fora, buscando startups de outros países.

Vocês procuram apenas soluções para a BRF ou para o setor de alimentação no geral?
Nessa primeira fase, o foco foi olhar o que conseguiríamos usar em nossa cadeia: trazer velocidade e inovação para nossos processos. Conseguimos, por exemplo, implantar soluções de indústria 4.0 para manufatura. Mas como temos o objetivo de ajudar a alavancar a indústria do alimento, temos também que olhar para oportunidades que não estão necessariamente em nosso radar. A evolução do programa vai seguir esse caminho: buscar inovações que hoje nosso time interno não está olhando.

Pode fazer um balanço sobre o programa em 2017?
Ainda não conseguimos fechar o balanço, pois não se passou um ano desde que começamos a rodar o programa. O que já posso dizer é que temos 15 projetos com startups rodando dentro da companhia. Já vemos potenciais de aumento de market share com iniciativas em pontos de venda, de aumento de produtividade com a aplicação de soluções de IoT na indústria, e de melhoria de gestão da saúde e nutrição animal com soluções que estamos aplicando no campo.

O que os investidores mais buscam nas startups do setor de alimentação?
Um dos setores que mais têm se destacado é o de agritech. Mas, mais do que a solução, os investidores buscam um perfil empreendedor. Precisa ser uma pessoa que entenda do negócio, da dinâmica e que esteja aberta a parcerias. Além disso, é preciso ter uma visão além do Brasil. Muitos empreendedores brasileiros não conseguem olhar para fora do país. Isso é fundamental para escalar os projetos.

Por que é importante para uma grande empresa olhar para as startups? De que maneira esses negócios podem contribuir com a reivenção das grandes companhias?
Dentro de qualquer corporação, é natural que áreas façam atividades da forma como sempre fizeram. A startup chega justamente para questionar isso, quebrando hipóteses e crenças existentes. Além disso, tem a questão da startup olhar para lugares que a gente normalmente não olha. Quem um dia imaginou que veríamos proteína animal produzida dentro de laboratório? As startups estão conseguindo trazer disrupções desse nível. Essas empresas podem arriscar mais, o que as torna mais velozes em questão de inovação. Isso traz uma dinâmica diferente para a organização. A troca de aprendizado com as startups tem sido muito rica para a BRF.

O que pode acontecer com as grandes empresas que não olharem para as startups?
Acredito que, assim como aquelas que não olharam para temas como inovação aberta, quando os primeiros movimentos nessa linha surgiram, elas precisarão correr atrás desse gap. É preciso entender que de um dia para o outro, o seu mercado pode não existir mais. Fintechs e startups como Airbnb e Uber estão aí para mostrar isso.

Como você vê atualmente o ecossistema de startups no Brasil? O que ainda é preciso evoluir? 
Nós visitamos os principais hubs: fomos para o Vale do Silício, Berlim e Israel. É óbvio que você consegue ver uma diferença de maturidade com relação aos outros ecossistemas. O ecossistema brasileiro ainda não achou sua identidade. Já o Vale do Silício, por exemplo, é conhecido pela educação e mentalidade de seus empreendedores, pois eles aprendem essas questões de empreendedorismo desde a educação básica.  No Brasil, ainda temos uma grande lacuna na educação, algo que precisamos resolver para acelerar nosso ecossistema. É importante dizer que não se forma empreendedores de um dia para o outro, eles são formados desde cedo.

Quais são suas expectativas em relação ao b-Connect em 2018? Pode adiantar alguma novidade sobre o programa?
Temos um plano estruturado, mas ainda não posso dividir 100%. O que está claro é que precisamos dar continuidade a tudo que começamos. A tendência é que sigamos com as parcerias que já temos com esses quinze projetos. Precisamos avançar com eles para conseguir fazê-los ganhar escala dentro da companhia. Esse é o primeiro foco de 2018. Hoje tenho áreas de engenharia, TI, jurídico e comercial participando do projeto. Mas existem muitas outras que ainda não estão dentro do programa. Temos esse desejo de integrar novas áreas, assim traremos soluções de outra natureza para a companhia.

FONTE: ÉPOCA NEGÓCIOS