As Forças Armadas, a Comunidade de Inteligência e os satélites de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento

“O Exército precisa de informações quando e onde quiser”. Rob Zitz, ex-oficial da Inteligência do Exército dos EUA
Por Ivan Oliveira* no MUNDO GEO

Arte do Satélite CARPONIS (Fonte: Comissão de Coordenação de Implantação de Sistemas Espaciais CCISE)

Traduzido e adaptado de um artigo publicado no site Breaking Defense, disponível em www. breakingdefense.com

O Exército norte-americano está negociando com a Comunidade de Inteligência daquele país e com a recém-criada Força Espacial, o controle operacional de quaisquer futuros satélites de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (ISR) construídos pelo Exército e hospedados no Departamento de Defesa (DoD), na própria Comunidade de Inteligência (IC), e/ ou satélites comerciais.

Por décadas, um pequeno comitê tomou as decisões sobre onde os satélites espiões dos EUA devem ser lançados, e quem tem acesso prioritário aos seus fluxos de dados. Hoje, esse comitê é liderado pelo diretor da Agência Nacional de Inteligência Geoespacial (NGA), que define os requisitos operacionais para o Escritório Nacional de Reconhecimento (NRO) cumprir quando construir satélites espiões, bem como para quaisquer dados de satélites ISR comerciais contratados pelo NRO. A NGA, com efeito, também pode determinar quem tem prioridade para o fluxo de dados desses satélites.

O Exército norte-americano não quer assumir totalmente o comando de imagens operadas pelo NRO ou de satélites de inteligência de sinais. E nem quer (pelo menos, por enquanto) construir sua própria constelação de satélites ISR. No entanto, é importante que os satélites ISR não pertencentes ao Exército, que possam vir a ser construídos no futuro, estejam disponíveis quando for necessário.

Um dos objetivos finais do Exército norte-americano é garantir o acesso “dedicado” à Inteligência baseada no espaço, e dados de vigilância e de reconhecimento necessários para suas operações em todos os domínios. O Exército quer um “relacionamento cooperativo” em que constelações ISR de pequenos satélites sejam gerenciadas diariamente e lançadas pelos operadores tradicionais do espaço miliar.

Isso inclui o NRO e a Agência de Desenvolvimento Espacial (SDA), que está trabalhando em uma constelação de pequenos satélites para comunicações e outra para rastreamento de mísseis. A SDA, por sua vez, deverá, em breve, ficar sob o comando da Força Espacial, como parte de uma reorganização do Centro de Sistemas Espaciais e de Mísseis, em um novo Comando de Sistemas Espaciais.

Por outro lado, é importante que o Exército participe do processo de estabelecer como os dados são distribuídos e ser capaz de executar essas capacidades deliberadamente, em vez de “maneira ad hoc”, ou em uma lista de prioridades feita por alguém de fora do Exército. O requisito basilar é a capacidade dedicada, sempre que necessário.
No Brasil, o Sistema de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) implantado pelo Exército, ainda não dispõe de estrutura de Geointeligência, tampouco acessa imagens de qualquer tipo de satélites ISR, nem mesmo comerciais. Já está na hora (e ainda há tempo) de os responsáveis por esse programa inserirem esta capacidade nas próximas fases de implantação do SISFRON, não se limitando a imagens obtidas por drones ou por câmeras instaladas em antenas fixas nas fronteiras terrestres.

Isso, aliado a um robusto sistema de gerenciamento e distribuição das imagens aos analistas lotados nas Seções de Geointeligência dos Comandos Militares de Área, com possibilidade de detecção automatizada de diferença de padrões, baseado em machine learning, permitirá, ao Exército, responder às demandas da sociedade na nossa faixa de fronteira, dando suporte preciso e confiável às operações da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e das Secretarias de Segurança Pública dos Estados envolvidos, permitindo um combate eficaz às ações do narcotráfico em território brasileiro.

Nosso país ainda não possui condições de planejar um satélite espião, como os EUA. Entretanto, o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE) idealizado pela Força Aérea e, agora, sob responsabilidade do Ministério da Defesa, traz uma proposta de constelações de satélites que atendam às necessidades de Inteligência das Forças Armadas, permitindo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) continue trabalhando com pesquisas científicas e monitoramento ambiental.
Infelizmente, nossa Base Industrial de Defesa não dispõe de tecnologia para desenvolver e construir satélites ISR de alta capacidade. A solução, em curto prazo – então – é comprar satélites, como a China fez a partir da década de 1980 para que, por meio de transferência de tecnologia e de engenharia reversa, possamos desenvolver tecnologia autóctone em poucas décadas. A China, hoje, além de já ter lançado centenas de satélites ao espaço, já está construindo sua própria estação espacial e vem trabalhando em seu projeto de enviar astronautas à Lua…

O Exército Brasileiro possui a mesma necessidade do Exército norte-americano de ter acesso “dedicado” à Inteligência baseada no espaço, e a dados de vigilância e de reconhecimento. A despeito de o Brasil não possuir as agências governamentais dedicadas ao espaço, como a SDA, o NRO, e a NGA (sem falar na Força Espacial), nosso Ministério da Defesa e nossa Comunidade de Inteligência bem que poderiam contribuir para definição de aspectos relacionados a satélites ISR. E, certamente, isso seria benéfico, tanto para a proteção de nossos quase 17.000 km de fronteiras, quanto para a proteção de nossa Amazônia Azul, pela Marinha do Brasil.

*Ivan Carlos Soares de Oliveira , CEO e consultor sênior na BTI Technology & Intelligence, é Doutor em Ciências Militares, área de concentração Sensoriamento Remoto, pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME); Mestre em Geologia, área de concentração Análise Ambiental, pela Universidade de Brasília (UnB); especialista em Geoprocessamento, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); especialista em Inteligência, pela Escola de Inteligência Militar do Exército (EsIMEx); e especialista em Fotoinformação, pela Escola de Instrução Especializada do Exército (EsIE). Atualmente é professor convidado da EsIMEx, e professor e coordenador do curso de Inteligência de Imagens para a Segurança, na LOGOS Inteligência e Planejamento Estratégico.

FONTE: https://mundogeo.com/2021/05/07/artigo-as-forcas-armadas-a-comunidade-de-inteligencia-e-os-satelites-de-inteligencia-vigilancia-e-reconhecimento