As agtechs não passaram pelo hype das startups urbanas

Em entrevista ao NeoFeed, Francisco Jardim, cofundador da SP Ventures, diz que os valuations mais baixos das startups do agro geraram operações mais sólidas.

Em 2007, quando foi fundada, a SP Ventures era um fundo generalista. Respondia pelas operações em São Paulo do Criatec, programa de investimentos criado pelo BNDES e um dos pioneiros a trabalhar com empresas de inovação em estágios iniciais.

“Logo percebemos que, se não nos especializássemos, não conseguiríamos trazer uma proposta de valor minimamente relevante para os empreendedores”, lembra Francisco Jardim, cofundador e sócio diretor da gestora, em entrevista ao NeoFeed. “Era preciso focar em uma única tese.”

Escolheram o agronegócio, a combinação perfeita entre os quatro pilares da empresa (acesso a dinheiro, talento, mercado e conhecimento estratégico) e os valores e propósitos de suas lideranças (segurança alimentar global e combate às mudanças climáticas).

Assim, entre 2010 e 2011, a SP Ventures se transformou em uma das primeiras gestoras do ecossistema agtech brasileiro. Com quase 40 startups investidas e cerca de R$ 500 milhões sob administração, nos últimos dois anos e meio, a empresa deu início à expansão para o mercado latino-americano, liderando aportes em quatro startups argentinas e uma mexicana.

“Temos duas teses para os investimentos fora do Brasil: as empresas têm de ter potencial para crescer no mercado brasileiro ou replicar um playbook que a gente esteja aplicando aqui”, diz Jardim.

Na conversa com o NeoFeed, o administrador de 43 anos, formado em finanças pela Saint Louis University, nos Estados Unidos, fala ainda sobre como os valuations mais baixos das startups do agro ajudaram a forjar operações mais sólidas. Além de temas como  a participação do Brasil na transição global para sistemas agroalimentares mais sustentáveis e resilientes, a evolução do agronegócio no País e o futuro da inovação agtech. Confira:

Como conciliar o aumento na produção de alimentos com a preservação e a  regeneração do meio ambiente?
Dois fatores convergem para o aumento na demanda de alimentos. O primeiro é uma população de 10 bilhões de pessoas, em 2050. O outro é o crescimento no consumo per capita de proteína, em especial, a de animal. O volume de acréscimo a ser produzido nos próximos 30, 40 anos equivale, segundo o Banco Mundial, a tudo o que foi produzido nos últimos 3 mil a 4 mil anos. E aqui, eu dou um passo além. É preciso, sim, produzir com menos desmatamento, menos emissão de carbono, mas, nós temos de criar também uma agricultura resiliente à mudança climática. Trabalhar com a mitigação e a adaptação.

E como vencer esse desafio?
Com uma agricultura muito mais intensiva em tecnologia. Com tecnologia, criamos eficiência, produtividade e resiliência. Precisamos de mais tecnologia em toda a cadeia, dentro e fora da porteira.

Quais são as principais tendências para o futuro?
Eu segregaria em três grandes verticais. Uma delas é a dos marketplaces, que eliminam os intermediários e encurtam a cadeia, unindo as pontas entre produtor e consumidor. A digitalização da cadeia aumenta a eficiência, diminui o desperdício, otimiza a distribuição e gera mais rentabilidade para o produtor e preços mais acessíveis para o consumidor. E isso confere transparência e previsibilidade ao sistema, tornando-o menos suscetível a choques. A segunda vertical é a das fintechs. O agro é a atividade empresarial mais intensiva em capital de giro. O produtor tem de comprar insumo hoje para preparar o solo e produzir daqui oito, nove meses – e tudo isso, com muito risco. É fundamental usar a alocação do capital e do custeio de financiamento da safra como incentivo para a transição para as boas práticas. E, sem tecnologia, fica muito difícil aferir e bonificar quem faz o certo.

E a terceira?
Uma das áreas nas quais temos investido mais é a de insumos biológicos. Considerada uma solução baseada na natureza, a ideia é identificar os organismos, sejam bactérias, vírus, fungos ou insetos, para atacar determinada praga ou conjunto de pragas. Os bioinsumos servem também para aumentar a produtividade do solo, como complemento ou substituto dos fertilizantes químicos.

Com a maior biodiversidade do planeta, o Brasil é rico também nesses organismos do bem, não?
O Brasil está criando a indústria de bioinsumos mais dinâmica e inovadora do mundo. Temos várias empresas altamente inovadoras, investidas por fundos de venture capital e de private equity. Tem até uma que listou. A Vittia não é 100% de bioinsumos, mas tem uma receita crescente em insumos biológicos.

O “milagre do Cerrado brasileiro” é comparável ao desbravamento do Vale do Silício

Apesar de todas as inovações e avanços recentes, por que o agronegócio ainda é visto como vilão das mudanças climáticas?
É por falta de conhecimento. Nos últimos 40, 45 anos, o produtor brasileiro mais do que quadruplicou a produção, menos do que dobrando a área plantada. É uma explosão de produtividade, sem explosão da fronteira agrícola. Nas últimas décadas, o agro é um dos únicos setores com crescimento consistente de produtividade de mais de 3% por ano. Adotando novas tecnologias, está fazendo mais com menos.

Qual é o papel do Brasil na transição global para sistemas mais sustentáveis e resilientes?
Como o Brasil é grande produtor e exportador superavitário, a influência do País nos preços internacionais, na estabilização de preço de commodities, é cada vez maior. Nos últimos 30 anos, nosso agro foi extremamente desbravador em conquistar mercados externos. O Oriente Médio, a China, o Leste Europeu… temos relevância na dieta de muitos países. Nosso agro é um pilar em qualquer discussão sobre segurança alimentar e produção sustentável. Como costuma dizer o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues (titular da pasta entre janeiro de 2003 e junho de 2006), o agronegócio brasileiro é um mantenedor da paz mundial.

E, em comparação aos estrangeiros, os empreendedores brasileiros são também mais criativos?
A agricultura brasileira é disparada o maior case de sucesso global de uma agricultura tropical de larga escala. A europeia, americana, canadense ou russa são de clima temperado, com congelamento da atividade biológica por até seis meses, por ano, dependendo do local. Esses países têm, no máximo, duas safras anuais. Como temos temperatura elevada quase o ano inteiro, temos a oportunidade de múltiplas safras – às vezes, até quatro por ano. Mas, aqui, a operação é muito mais nervosa e o manejo, mais complexo. Não é só a planta que cresce o ano todo. A doença, o patógeno, a lagarta… tudo cresce o ano inteiro. Nosso empreendedor é muito mais sofisticado do que o produtor gringo. Enfrenta mais adversidades e vence nesse ambiente com menos ajuda do governo. O “milagre do Cerrado brasileiro” é comparável ao desbravamento do Vale do Silício. A tropicalização da soja, liderada pela Embrapa, é um fenômeno científico aliado a um empreendedorismo de altíssimo risco e impacto.

E o que difere a inovação do passado da atual?
Nos últimos dez anos, temos visto uma explosão da cultura empreendedora de startups para transformar essa ciência em produtos e modelos de negócio de larga escala. Como a fazenda é uma linha de manufatura a céu aberto, exposta à atividade biológica, sua gestão de caixa, por exemplo, é muito complexa. Está sujeita a preços extremamente voláteis, de commodities internacionais. Até pouco tempo atrás, não havia ferramenta à altura dessa complexidade. Hoje, com tecnologias desenvolvidas por empresas como a Aegro, na agricultura, e a Jetbov, na pecuária, o produtor consegue enxergar seu negócio com clareza, planejar, comprar, vender, contratar e escolher o que vai plantar com mais assertividade. Temos casos semelhantes em toda a cadeia.

Em geral, as agtechs não passaram pelo hype das techs mais urbanas, como as empresas de mobilidade. No Brasil, nem chegaram perto

Os investimentos nas agtechs brasileiras são geralmente mais baixos, se comparados aos aportes em empresas estrangeiras do setor. Por quê?
Em geral, as agtechs não passaram pelo hype das techs mais urbanas, como as empresas de mobilidade. No Brasil, nem chegaram perto. Como tiveram menos dinheiro, os valuations não foram aquelas loucuras. Por um lado, foi bom. Essas empresas não expandiram sem antes comprovar a rentabilidade de seus negócios. As agtechs sairão mais resilientes da atual conjuntura de crise.

FONTE: https://neofeed.com.br/futuro-da-alimentacao/as-agtechs-nao-passaram-pelo-hype-das-startups-urbanas/