Apostando no lixo, startups brasileiras são selecionadas para aceleração global da AB InBev

Projetos das brasileiras Molécoola, RSU Brasil e Tampec foram selecionados para a etapa global da aceleradora de soluções ambientais da AB InBev

APP DA MOLÉCOOLA (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Você sabe para onde vai o lixo que descarta? Para três startups brasileiras, o destino dele não só importa como deve ser aprimorado. Com projetos que unem inovação e tecnologia a conceitos de sustentabilidade, Molécoola, RSU Brasil e Tampec foram selecionadas pela Ambev para representar o Brasil na aceleradora global de soluções ambientais da AB InBev.

Lançada em junho, a aceleradora tem como objetivo impulsionar projetos que contribuem para a preservação do meio ambiente. A iniciativa faz parte da Plataforma 100+, programa pelo qual a companhia se propõe a solucionar 100 desafios ambientais até 2025. “A empresa já trabalha com essas questões há mais de 20 anos. Com o projeto, decidimos ampliar o foco de ‘dentro de casa’ para uma escala global”, diz Rodrigo Figueiredo, VP de Sustentabilidade e Suprimentos da Ambev.

Ao todo, 21 startups de todo o mundo foram selecionadas para a etapa global. Ao longo dos próximos meses, elas receberão treinamentos e mentorias para desenvolver seus projetos. Cada uma poderá receber até US$ 100 mil (R$ 370 mil) em investimentos. Em março, elas irão apresentar suas soluções a investidores na sede da companhia em Nova York.

“As empresas precisam entender que programas de sustentabilidade não são só ‘legais’ e importantes para a reputação”, diz Rodrigo Oliveira, CEO da Tampec Soluções. “Eles dão resultado financeiro e melhoram a produtividade”.

Uma questão de incentivo

“Hoje em dia, você tem um lugar para descartar pilhas, outro para óleo de cozinha, tudo separadamente. Se você tem a vida corrida e pega trânsito, isso dificulta que se dê um destino adequado aos materiais”, afirma Rodrigo Jobim, CEO da Molécoola. “Criamos uma solução para ser um ponto único onde você vai e larga tudo o que não quer mais”.

A startup desenvolveu um modelo de “loja” classificado como um Ponto de Entrega Voluntária (PEV). O espaço consiste em um contâiner que pode ser instalado em locais como estacionamentos e recebe desde materiais descartáveis, como plástico, até eletroportáteis e eletroeletrônicos. Hoje, cinco desses pontos já funcionam em São Paulo. O objetivo é chegar a 100 unidades até o final do ano que vem e, depois, expandir a meta para mil.

Loja da Molécoola em São Paulo (Foto: Divulgação)

A praticidade não é o único atrativo proposto pela rede. Ao entregar os materiais, o cliente ganha pontos de fidelidade que podem ser trocados por produtos, vouchers de desconto e até mesmo créditos para o transporte público. O espaço também incentiva a educação ambiental para que as pessoas aprendam o que é ou não reciclável — algo que, para as empresas de coleta, ainda é um empecilho.

As lojas funcionam por um modelo de microfranquias e também têm como proposta oferecer melhores condições de renda e de trabalho aos franqueados. “Temos buscado pessoas que trabalham ou já trabalharam em cooperativas de reciclagem, que conhecem os materiais e que estão em uma situação vulnerável do ponto de vista econômico”, diz Jobim.

Uma vez coletados, os materiais são recolhidos por um centro de distribuição mantido pela startup e depois direcionados para recicladores. “Isso elimina uma série de intermediários que existem nessa cadeia”.

Mapa da responsabilidade
Garrafas de cerveja flutuam na água; poluição (Foto: Mario Tama/Getty Images)

EM GERAL, EMPRESAS NÃO SE RESPONSABILIZAM PELO LIXO QUE GERAM (FOTO: MARIO TAMA/GETTY IMAGES)

Se saber para onde vai o lixo da sua casa já é um desafio, pensar no destino de tudo o que você descarta em bares e restaurantes é ainda mais difícil. Por isso, a Tampec elaborou uma solução que é, ao mesmo tempo, uma utilidade e um desafio às empresas. O sistema de logística reversa permite ir atrás ativamente das embalagens por meio de um sistema de mapeamento e coleta.

“As empresas destacam que suas embalagens são recicláveis, mas quem fica responsável por reciclá-las é o próximo elo da cadeia”, diz Rodrigo Oliveira, CEO da startup. “Se ele vai colocar no lixo, no chão ou no oceano, elas não sabem”.

Com base nos registros de vendas da empresa, o sistema é capaz de mapear regiões que concentram grande venda e consumo dos produtos — e, consequentemente, de descarte de embalagens. Os materiais são então recolhidos por equipes próprias e levados a uma central de coleta. De lá, podem retornar à cadeia produtiva da empresa.

“A tecnologia permite o reconhecimento dos locais e a operação permite recolher e ter o menor custo logístico possível”, afirma Oliveira. Ao final do processo, diz ele, a tecnologia também garante que o material seja direcionado corretamente. “As informações sobre a chegada desse material, de onde ele saiu, os pontos de recolhimento e o envio são registradas pelo sistema, conectadas e protegidas por meio de blockchain”.

O projeto entrará em fase piloto em novembro e, inicialmente, foi desenvolvido para o mapeamento de garrafas de vidro de com base nos moldes da Ambev. A ideia é que o sistema abranja outros materiais e chegue a outras empresas no futuro.

O lixo que ninguém quer

O projeto da RSU Brasil envolve o lixo orgânico. “O que fazemos é pegar todo o lixo e transformá-lo em biomassa com alto poder calorífico”, diz Verner Cardoso, fundador da empresa. “Ele se torna um combustível excelente e pode ser transformado em energia”.

Para isso, a startup desenvolveu uma tecnologia própria adaptada para explorar o poder calorífico do lixo brasileiro. “O lixo do Brasil tem uma quantidade de orgânicos muito grande. Na Europa, por exemplo, há uma quantidade muito menor deles e maior de embalagens”, afirma Cícero Prado, desenvolvedor da tecnologia. “Não existia uma solução brasileira que conseguisse aproveitar esse lixo”.

Planta de sistema de geração de biomassa da RSU Brasil (Foto: Divulgação)

Hoje, a startup mantém uma planta piloto no interior de São Paulo capaz de transformar uma tonelada de lixo por dia em biomassa. Após ser triturado, o lixo passa por um processo de decomposição e atrito que o seca e gera calor. O processo demora de 48 a 72 horas, dependendo da composição do material. “E não se trata apenas de gerar energia ou outro subproduto”, diz Cardoso. “O que se produz de gás carbônico e metano em lixões e aterros não controlados é muito grande. Portanto, o benefício [desse processo] é enorme”.

Com o suporte da aceleradora, o local será revitalizado. A startup também elaborou um projeto capaz de atender cidades, oferecendo soluções para aquelas que possuem sistemas falhos de coleta e tratamento de lixo. “Também temos o sonho de disponilizar um modelo que possa ser implantado nas casas. Mas vai demorar um tempo”, diz o fundador.

Para as três startups, os desafios nessa área passam pela esfera pública, pela educação ambiental e pela necessidade de as empresas terem uma visão mais ampla sobre o tema. “Ou a nossa rota tecnológica e as nossas decisões sobre o lixo mudam, ou teremos de construir prédios de lixo”, diz Cardoso.

FONTE: ÉPOCA