Agricultura 4.0: a colheita de dados de uma gigante do setor

A AGCO, dona das marcas Massey Ferguson, Valtra e Fendt, faz parcerias com startups brasileiras e incorpora conceitos como big data, internet das coisas e computação em nuvem aos seus tratores e colheitadeiras

Equipadas com recursos como softwares e sensores, as máquinas do portfólio da AGCO estão se tornando um ponto central na coleta de dados no campo

Fundada em 1990, a americana AGCO fez seu nome no agronegócio como fabricante e distribuidora de marcas como Massey Ferguson, Valtra e Fendt. Na venda de tratores, colheitadeiras e toda a sorte de equipamentos, a companhia encontrou um solo fértil para chegar a um valor de mercado de US$ 5,1 bilhões e a uma receita líquida de US$ 9,35 bilhões, em 2018.

Prestes a completar três décadas como uma das líderes desse mercado, a empresa decidiu, no entanto, adicionar novos componentes a essa fórmula. E os preceitos da chamada agricultura 4.0 são os novos ingredientes do grupo para seguir colhendo bons resultados.

Na prática, a AGCO está deixando de ser apenas uma fabricante do setor para consolidar uma oferta na qual seus equipamentos passam a incorporar conceitos como big data, computação em nuvem e internet das coisas.

“Hoje, não basta ser apenas um fabricante de máquinas”, disse ao NeoFeed Luís Felli, presidente da AGCO na América do Sul, região que responde por 10% dos negócios globais da companhia. Desde 2015, o grupo destinou US$ 300 milhões para a área de inovação nesse mercado. “É preciso ser um provedor de soluções tecnológicas para o agricultor.”

“Hoje, não basta ser apenas um fabricante de máquinas”, diz Luis Felli, CEO da AGCO América do Sul

Com o acréscimo de recursos como softwares e sensores, os tratores e demais equipamentos produzidos pelo grupo passam a centralizar uma verdadeira colheita de dados no campo. “Há uma demanda crescente pelo cultivo inteligente”, afirma Felli. “É preciso aproveitar melhor as janelas de plantio, que são cada vez mais curtas.”

Renovação do portfólio e parcerias

A guinada da operação brasileira está alinhada a uma estratégia global da AGCO. Essa semente começou a ser plantada há dois anos. Na época, a companhia colocou em prática um plano de renovação de 100% do seu portfólio. O trabalho está sendo concluído justamente agora, em 2019.

“As máquinas no campo sempre geraram uma grande quantidade de dados”, diz Niumar Aurélio, supervisor de marketing da divisão de tecnologia da AGCO. Ele observa, no entanto, que, sem as ferramentas digitais embarcadas, os equipamentos não usavam todo o seu potencial. “É como se, hoje, você tivesse uma tevê sem um serviço de streaming”, diz. “As máquinas mudaram porque as exigências no campo mudaram.”

A aproximação com startups e empresas de tecnologia voltada ao agronegócio é uma das estratégias da AGCO para acelerar a transição para a oferta de serviços de agricultura de precisão, reunida sob a bandeira Farm Solutions.

“Sempre que identificamos potenciais parceiros que sejam capazes de criar soluções que façam a diferença na produção no campo, nós, naturalmente, os envolvemos no nosso ecossistema”, diz Felli, da AGCO.

Foi em Piracicaba que o grupo buscou uma de suas novas parceiras: a Inceres. Além de imprimir velocidade no processo de desenvolvimento, a procura por empresas locais vem sendo usada pela AGCO em todo o mundo, já que há diferenças de clima e de culturas em cada país, o que exige a aplicação de tecnologias distintas em cada mercado.

No caso da Inceres, a oferta combinada envolve um sistema que coleta dados como a fertilidade do solo e analisa toda a área de cultivo. A partir dessas informações, é possível identificar, por exemplo, quais trechos do terreno precisam de mais ou menos adubo e, assim, programar os equipamentos para executar o trabalho especificamente de acordo com esse roteiro.

A aproximação com startups e empresas de tecnologia voltada ao agronegócio é uma das estratégias da AGCO

Outro software que compõe o novo portfólio é o Agrocad, desenvolvido pela Tecgraf, de Campinas (SP). Esse sistema planeja o tráfego da máquina na lavoura com base na análise do terreno. A trilha é executada pelo equipamento, via piloto automático, preservando os trechos férteis do terreno. Além do melhor aproveitamento da área disponível para plantio, a ideia é reduzir o consumo de combustível.

A Solinftec, startup de Araçatuba (SP), é mais uma parceira. A oferta com a companhia envolve uma plataforma que permite monitorar, em tempo real e a distância, como o trabalho está sendo conduzido na ponta, por meio de sensores instalados nas máquinas.

A partir do cruzamento do histórico de dados daquela lavoura com informações coletadas naquele momento, como as condições meteorológicas, é possível alterar um processo previamente planejado. “Quem pensa o negócio, nem sempre está no campo”, diz Aurélio.

Professor da ESALQ-USP, Mateus Mondin ressalta que, em um mercado de commodities, com pouco espaço para diferenciação no preço e extremamente competitivo, a demanda por eficiência no campo é crescente. E que a tecnologia entra como principal ferramenta para produzir mais e, ao mesmo tempo, reduzir custos de produção.

“E os recursos digitais estão potencializando a obtenção de dados não só para uma produção mais eficiente”, diz Mondin. “Mas também mais sustentável, com a aplicação mais racional de insumos e defensivo agrícolas, e menor consumo de óleo diesel.”

Os softwares embarcados permitem a aplicação mais racional de defensivos

Mondin é uma das pessoas que ajudou a deixar conhecido o Vale do Piracicaba, ou AgTech Valley, como é conhecida hoje a região de Piracicaba, em uma alusão ao Vale do Silício americano. A cidade do interior paulista concentra hoje 38% das startups voltadas ao agronegócio, segundo o 1⁰ Censo AgTech de Startups.

Conexão rural

Em paralelo ao novo portfólio, a AGCO é uma das participantes do ConectarAgro. Lançado em abril, o projeto reúne sete empresas do agronegócio, além da empresa de telefonia TIM. A ideia é auxiliar na expansão da infraestrutura de telecomunicações no campo, por meio de conexões 4G.

“Hoje, no Brasil, essa estrutura é extremamente voltada aos centros urbanos”, diz Ana Helena Andrade, diretora de assuntos institucionais da AGCO.

Com foco inicial no Centro-Oeste e na região Sul, a iniciativa, até o momento, já expandiu a cobertura em cerca de 800 mil hectares. Até o fim do primeiro semestre de 2020, o plano é chegar a 5 milhões de hectares, o equivalente a 10% da área cultivada no País.

“Estamos saindo da agricultura de precisão para a agricultura de decisão, baseada em dados em tempo real”, afirma Ana Helena. “Mas para que o agronegócio brasileiro dê esse salto, é preciso que as conexões também estejam no campo.”

FONTE: NEOFEED